Por Beatriz Olivon
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, com sede em Brasília, vai definir se o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) pode negar pedido de registro de marca por “atentado à moral”. O caso a ser analisado é da marca “4evinte” – número que faz referência ao consumo de maconha. O pedido foi apresentado por uma tabacaria
Há poucos julgados sobre o assunto, nenhum ainda dos tribunais superiores, segundo advogados. O atentado à moral está previsto na Lei da Propriedade Intelectual (nº 9.279, de 1996). O artigo 124, no parágrafo III, impede o registro de expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia.
O Manual de Marcas do INPI exemplifica o artigo com tentativas de registro de uma marca com a suástica, por exemplo. Ou um nome de santo para um produto que seja ofensivo ou ofereça provocação à religião. Segundo o manual, a avaliação deve levar em conta as características do mercado do produto ou serviço, como o tipo de público-alvo, canais de distribuição, comercialização e publicidade dos produtos.
Na prática, porém, há espaço para a subjetividade, segundo advogados. Nomes semelhantes já foram registrados pelo INPI. Planet Hemp e Skank, como nomes de banda, Lança Perfume no segmento de moda, Devassa para bebidas, além de Ecstasy e Vagabundos.
Para uma tabacaria, o órgão concedeu, no ano passado, o registro por dez anos da marca “Cannabistrô Head Shop”. No mesmo ano, outra tabacaria, chamada “Ultra 420”, também conseguiu o aval do INPI.
Na ação a ser enfrentada pelo TRF da 1ª Região, a empresa pede a suspensão de todos os processos de registro relacionados à expressão “4evinte” ou semelhantes, relacionados ao mesmo ramo de atividade, até o julgamento da causa. O termo seria uma referência à 16 horas e 20 minutos, horário em que estudantes consumiam maconha na Califórnia (EUA), e também a um código policial referente ao uso da droga.
A empresa existe desde 2008, mas utilizava outro nome. Em 2013, pediu ao INPI o registro da nova marca. De acordo com o advogado da loja, Luciano Andrade Pinheiro, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, o critério de atentado à moral é subjetivo.
O pedido feito pela tabacaria foi negado pelo INPI sob o argumento de que “4evinte” é uma expressão usada nos Estados Unidos que faz referência ao consumo de maconha. “Não pode ser subjetivo dessa forma, afinal é um número e essa referência não é amplamente conhecida. Para falar em moral e bons costumes tem que considerar a sociedade como um todo”,
Ainda segundo o advogado, a tabacaria só vende produtos lícitos e a marca só mostra criatividade. “Não tem nada contra a moral e os bons costumes. É uma referência criativa. A Justiça não pode tolher a criatividade.”
Para Gustavo Piva de Andrade, sócio do escritório Dannemann Siemsen, é uma questão totalmente subjetiva o que pode ser considerado contrário à moral e aos bons costumes. “O que é imoral para uma pessoa pode não ser para outra. Posso estar em um meio em que uma palavra é comum e em outro ter cunho depreciativo. O que era imoral há 20 anos hoje não é mais”, diz.
Nos Estados Unidos, a Suprema Corte autorizou em 2017 o registro da marca “The Slants” (termo pejorativo para asiáticos) por uma banda de asiáticos. A defesa alegou que não seria usada com cunho depreciativo, mas para homenagear esse público porque eles eram descendentes de asiáticos.
“É a mesma discussão que existe no Brasil. Se isso chegar ao STF [Supremo Tribunal Federal], os mesmos argumentos poderiam ser usados, aplicando a liberdade de expressão”, afirma Andrade.
Esse tipo de indeferimento no INPI é raro, acrescenta. “Em 20 anos que trabalho na área, nunca enfrentei um caso assim no INPI”, diz o advogado. De acordo com ele, ainda não há decisão conhecida do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto. Mas por causa dos direitos envolvidos, afirma, o tema poderia ser enfrentado nos tribunais superiores.
Na segunda instância, há precedente contrário no Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro. Em julho, a Corte negou o pedido de registro das marcas “Brazilian Cannabis” e “Brazillian Marihuana”. A tese do atentado à moral foi utilizada pelo INPI. Já o Judiciário entendeu que não têm nenhuma distintividade, ou seja, usam termos genéricos que designam características de produtos a que se referem – cigarros sem tabaco e ervas, para fins medicinais, derivados de cannabis. A ação (nº 5030178-42.2018.4.02.5101) transitou em julgado.
No Paraná, a ofensa à moral levou a 1ª Vara Federal de Londrina a manter a negativa do INPI de registrar a marca “Beck” para cigarros. O termo foi considerado uma referência à maconha. Porém, segundo a empresa, seria uma homenagem ao sobrenome do avô do fundador (processo nº 5000623-46.2018.4.04.7001).
Flávia Tremura, sócia do escritório Kasznar Leonardos Propriedade Intelectual, afirma que o INPI costuma negar registros ligados à maconha e há poucas decisões judiciais sobre o assunto. Em 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a regulamentação do uso da maconha medicinal no Brasil, acrescenta, o que passou a permitir registros ligados à substância.
O artigo 124, diz a advogada, é bem amplo e, apesar de não haver determinação expressa, o INPI costuma enquadrar nele nomes que façam referência a ilícitos. “É super subjetivo e tem margem para questionar no Judiciário em tese. Mas como é muito caro, uma empresa pequena acaba nem recorrendo à Justiça e usa a marca sem registrar.”
Fonte: Portal Intelectual
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