Por Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga
A decisão do STF pela licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo afetará as relações de trabalho no Brasil, na medida em que muitas dúvidas e controvérsias pairavam acerca desse fenômeno nas atividades meio e fim das empresas. O entendimento da licitude, seja para atividade meio ou fim, prevê a manutenção da responsabilidade subsidiária da empresa contratante desde que tenha participado na relação processual em que ocorrer a condenação e que conste no título judicial.
O assunto, analisado em sede de ADPF 324, questiona a compatibilidade, com a Constituição Federal, do padrão interpretativo conferido pela Justiça do Trabalho em controvérsias acerca da terceirização de serviços. Notadamente, a súmula 331 do TST, vedava a terceirização de atividades finalísticas.
Além disso, tem-se o julgamento acerca de decisão do TRT da 3ª Região, mantida pelo TST, que impede uma empresa de celulose de terceirizar serviços de reflorestamento e afins, por considerar tratar-se de atividade-fim da empresa.
A terceirização pode ser definida como a transferência de parte da atividade de uma empresa (etapa na cadeia produtiva) para outra empresa, por motivos de custo, eficiência, especialização ou outros interesses empresariais. No geral, a Justiça do Trabalho tem entendido que é possível terceirizar a atividade-meio da empresa contratante, mas não a atividade-fim.
Por um lado, a interpretação constante em verbete de súmula de jurisprudência da Justiça do Trabalho presumia ilícita a transferência da atividade-fim, cuja finalidade, considerada fraudulenta, seria tão somente reduzir custos de reprodução.
No julgamento, os ministros que sustentaram este entendimento assentaram fundamento na evolução histórica das bases normativas do instituto, que, possibilitava à Administração Pública terceirizar apenas atividades instrumentais, de apoio ou meramente executórias, normalmente conhecidas como “atividades-meio”.
Nesse sentido, ressaltou o ministro Marco Aurélio que, não obstante estar-se diante de um mundo globalizado, marcado por altíssima especialização nas relações de trabalho, a regra perpetuada historicamente jamais deixou de ser a contratação empregatícia clássica. A súmula 331 apenas estagnaria uma longa construção legal e jurisprudencial, qual seja, reservar um caráter de excepcionalidade à possibilidade de terceirização na prestação de serviços, por supostamente ensejar a relativização do vínculo de pessoalidade entre empregado e empregador, o enfraquecimento da representação sindical dos empregados terceirizados e a segregação entre empregados, efetivos e terceirizados, que desempenham idêntica função.
Por outro lado, prevaleceu o entendimento que não haveria qualquer tipo de vedação constitucional ao desenvolvimento de estratégias empresariais flexíveis, como a terceirização.
De acordo com o voto prevalente sustentado pelo ministro Luís Roberto Barroso, o sistema sindical e o direito do trabalho precisam se adequar às transformações no mercado e na sociedade. Ainda que atualmente se vivencie a chamada revolução digital, que alterou essencialmente a dinâmica das relações comerciais e, portanto, do direito do trabalho, permanece vigente um núcleo duro de direitos fundamentais mínimos (salário, segurança, repouso, férias e FGTS, por exemplo), que são resguardados aos trabalhadores, havendo ou não terceirização, desde que não recaiam na informalidade de mercado. De resto, esta informalidade prejudicial seria desencadeada justamente por regras excessivamente protetivas.
A terceirização seria muito mais que uma forma de reduzir custos. Nas palavras do ministro Barroso é “uma estratégia de produção imprescindível para a sobrevivência e competitividade de muitas empresas brasileiras, cujos empregos queremos preservar”. O problema, ademais, não está no instituto em si, mas em sua contratação abusiva, que pode ser contornada com providências simples, como a responsabilização subsidiária da tomadora de serviços em caso de descumprimento de normas trabalhistas e previdenciárias.
Assim, a súmula 331 do TST, além de violar aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, não foi capaz de ensejar segurança jurídica acerca das hipóteses em que a terceirização é lícita, de que resulta um tratamento anti-isonômico causado por interpretações concorrentes de conceitos jurídicos indeterminados como “atividade-fim”, “atividade-meio” e “atividades essenciais”. Assim, se não há norma que vede a terceirização, esta não poderá ser banida como estratégia negocial, nos termos do art. 5º, inciso II, da Constituição Federal.
A terceirização é um caminho sem volta, não adianta fechar os olhos para o desenvolvimento e nem se esconder do futuro, pois “o novo sempre vem”. O que precisa ser combatido e repudiado são tentativas de precarização do trabalho, o que certamente, não será tolerado pela Justiça do trabalho e pelos profissionais do direito.