Por José Higídio
Na próxima quarta-feira (3/2), o Supremo Tribunal Federal terá sua primeira sessão judiciária do ano, para julgamento do Recurso Extraordinário 1.010.606, com repercussão geral conhecida. O tema é controverso: o direito ao esquecimento na esfera civil.
O recurso foi proposto pela família de Aída Curi, uma adolescente que em 1958 foi espancada, estuprada e assassinada. Em 2004, o programa “Linha Direta Justiça”, da TV Globo, dramatizou o caso e exibiu imagens reais da vítima ensanguentada. Os parentes pleiteiam o direito de esquecer a brutalidade e questionam a exposição do crime em cadeia nacional.
O conceito de direito ao esquecimento foi formulado na Europa e vem sendo usado desde 2014. Na época, o Tribunal de Justiça da União Europeia julgou o caso de um advogado espanhol que desejava o apagamento dos dados disponíveis no Google sobre um já extinto processo de execução de seu imóvel. A corte entendeu que informações irrelevantes ou desatualizadas poderiam ser excluídas da plataforma.
No ordenamento jurídico brasileiro, não há legislação específica sobre o direito ao esquecimento. Isso gera entendimentos distintos entre os magistrados e tribunais, que recebem muitos pedidos de remoção de conteúdo da internet.
Questão acende debate
Com esse cenário, o julgamento do STF deve ter impacto determinante sobre a liberdade de expressão e a divulgação de informações na internet, em contraste com o direito à privacidade e à intimidade.
Andrea Costa, advogada especialista em Direito Digital, entende que o direito ao esquecimento deve ser aplicado apenas em casos de notícias falsas ou mentirosas que causem danos morais. “No mais, entendo como uma forma de censura, contrária à Constituição Federal, que exemplificativamente pode prejudicar matérias jornalísticas investigativas, cujo modus operandi pode servir de alerta para a população”, explica.
O advogado Luciano Andrade Pinheiro, sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados e especialista em propriedade intelectual, tem opinião semelhante: “Por princípio eu defendo que deva prevalecer a liberdade, mesmo porque não me agrada que o Judiciário seja palco de pedidos de liminar que impeçam a manifestação de pensamento. Eventual e raríssimo abuso deve ser reparado em forma de indenização, mas a liberdade deve prevalecer”.
Mas a liberdade de expressão nem sempre é encarada como um conceito dominante ou acima da intimidade dos cidadãos. É como enxerga o advogado Willer Tomaz, sócio do escritório Willer Tomaz Advogados Associados. Ele defende que a imprensa livre — assim como qualquer direito previsto no ordenamento jurídico — não é absoluta, e que a coletividade da informação depende do seu interesse público.
No caso em pauta no STF, Willer entende que o direito ao esquecimento deve prevalecer “como corolário da dignidade humana”, para evitar a “eterna revitimização da família”. Ele leva em conta o pedido da família para não haver veiculação dos acontecimentos em programa jornalístico, o fato de a vítima não ser figura pública e a “ausência de contemporaneidade do fato noticiado”.
“O direito ao esquecimento não se presta à eliminação do fato histórico ou à proibição da circulação de ideias. Mas indica, isso sim, que é ilícito perpetuar informações desatualizadas que mais ofendem os direitos de personalidade do que atendem o interesse público à informação”, conclui Tomaz.
Fonte: Conjur
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