Por Gabriel Coccetrone
A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quarta-feira (16), o Projeto de Lei 9622/2018, de autoria da deputada federal Érika Kokay (PT-DF), que acrescenta à Lei Pelé (Lei nº 9.615) um dispositivo que exige de clubes de futebol e entidades esportivas a promoção de medidas de proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual, como condição para receber recursos de bancos públicos. Para especialistas ouvidos pelo Lei em Campo, o texto é extremamente importante e, se for levado à frente, pode ser considerado uma grande conquista.
“Um PL que venha a demandar a responsabilidade social das entidades de futebol, tolhendo a possibilidade de recebimento de verbas derivadas de bancos públicos, toca num ponto fundamental não só em seu propósito primordial – proteção à infância – como para o desenvolvimento mais saudável do esporte em sentido global e em concordância com as medidas mencionadas”, afirma Luiza Castilho, advogada especialista em Governança e Compliance no futebol.
“Essa matéria é de extrema importância para a formação desportiva. Infelizmente não são raros os casos de assédio sexual no esporte, e essa alteração na Lei Pelé surge como mais uma forma de coibir essas atitudes reprováveis. Sem prejuízo da punição na esfera penal do criminoso, o clube deixará de receber incentivos de bancos públicos se comprovada essa prática. Atualmente, vários clubes recebem incentivos para desenvolvimento dos atletas.
Essa norma surge como um verdadeiro ‘compliance governamental’, de modo que o Poder Público não apoiará essas condutas ilícitas. No entanto, não basta a Lei e o compromisso ‘documental’ dos clubes, deve existir alguma forma de aplicação prática dessas medidas, para que a leinão fique sem utilidade”, avalia Luís Guilherme Zainaghi, advogado especialista em direito desportivo. “Quando pensamos em um ‘Projeto de Lei’, a projeção que nosso imaginário faz é sempre na direção de conceitos como justiça, necessidade, relevância social, praticidade para convívio entre instituições e pessoas.
Nesse contexto, o PL 9622/2018 vem trazer funcionalidade prática a preceitos normativos que já existem – como: artigos 6º, 7º, 217, 227 da Constituição Federal de 1988; do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no seu artigo 4º e 71º; a Carta do Direito da Criança e do Adolescente no Esporte, lançada em 1988, em Genebra na Suíça, relançada no congresso de Panathlon em Avignone (1996) e ratificada pelo Brasil por ocasião da promulgação da ‘Constituição Cidadã’ e do advento do ECA (1990); a Lei nº 13.257 de março de 2016, conhecida também como a Lei da Primeira Infância -, e ficam, por vezes, esquecidos no sono de uma realidade parcial ainda muito presente no meio esportivo, em especial no futebol”, analisa Diogo Medeiros, advogado especialista em direito desportivo.
O advogado Maurício Corrêa da Veiga, especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, diz que o PL “traz uma importante iniciativa no combate a proteção e integridade dos menores” e afirma que “não há que falar em desrespeito à autonomia desportiva, pois não se trata de uma imposição legal, mas sim de uma condicionante para aqueles que se utilizam de verba pública. Medida salutar e importante para o desporto”.
Luiza Castilho lembra que a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada pelo Brasil em 1990, “antecipa a necessidade de adoção das medidas apropriadas a proteger as crianças de todas as formas de violência, sendo elas físicas ou psicológicas”. “Por sua vez, a FIFA tem como um dos seus principais objetivos o comprometimento com a segurança e preservação dos direitos humanos, daí também foi que surgiu o programa ‘FIFA Guardians’. Em contraste, não são raros os casos de violência no contexto esportivo – ainda que o número de relatos seja, normalmente, inversamente proporcional”, afirma.
Pelo texto do PL, as entidades sem fins lucrativos componentes do Sistema Nacional do Esporte somente poderão receber recursos da administração pública federal direta ou indireta mediante a assinatura de termo de compromisso de adoção de medidas para a proteção de crianças e adolescentes contra qualquer tipo de violência sexual. Entre as medidas estão o apoio a campanhas educativas, a qualificação dos profissionais que atuam no treino de crianças e adolescentes e a instituição de ouvidoria para receber denúncias de maus-tratos e de exploração sexual de crianças e adolescentes.
Além disso, também está previsto o esclarecimento dos pais sobre as condições a que são submetidos os alunos das escolas de formação de atletas e a prestação de contas anual junto aos conselhos tutelares, aos conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e ao Ministério Público, sobre o cumprimento das normas. O texto deixa claro que “em caso de descumprimento das determinações legais de proteção de crianças e adolescentes levará à suspensão da transferência de recursos públicos para a entidade desportiva ou, no caso de patrocínio, ao encerramento desse contrato”.
É importante destacar ainda que o PL foi uma maneira encontrada pela deputada federal Érika Kokay de pressionar a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) a cumprir um pacto assinado em 2014, pelo então presidente José Maria Marin, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ficando acertado a adoção por parte da entidade brasileira de dez medidas de combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes nas escolinhas de futebol. Em 2017, integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara apontaram em uma audiência pública que a CBF não estava cumprindo com o que havia se comprometido há três anos.
O pacto assinado pela entidade incluía, por exemplo, a promoção de campanhas de prevenção dos crimes de exploração sexual; a qualificação de profissionais para atuação preventiva junto às crianças; o uso da ouvidoria da CBF para recebimento de denúncias; além da fiscalização das escolas de formação de atletas.
Na época, o Brasil estava se preparando para sediar a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e a CPI buscava reunir esforços para garantir a proteção de crianças e adolescentes durante esses eventos. O PL 9622/2018 agora será encaminhado ao Senado Federal. Em caso de nova aprovação, irá à sanção presidencial.
Matéria publicada no UOL.
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