Por Tiago Angelo
Para resolver impasse entre um beneficiário da justiça gratuita que perdeu ação trabalhista e os advogados da empresa que saiu vencedora, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, no Espírito Santo, homologou um acordo inesperado: o reclamante, que não tem condições de pagar os honorários, irá quitar sua dívida prestando serviço comunitário. O acordo foi revelado pela ConJur em reportagem publicada semana passada.
O autor recorreu à Justiça do Trabalho buscando que fosse reconhecido vínculo empregatício entre ele e uma boate. O pedido foi negado e o homem acabou condenado a pagar R$ 10 mil em honorários.
Por decisão do juiz Ney Alvares Pimenta Filho, da 11ª Vara do Trabalho de Vitória, a execução havia sido suspensa até que o reclamante pudesse pagar a dívida ou até que completasse dois anos do trânsito em julgado da sentença, fazendo com que a obrigação caducasse. Após a decisão, no entanto, o trabalhador e os advogados da empresa homologaram o acordo de prestação de serviço comunitário.
A condenação de beneficiários da justiça gratuita passou a ser possível em 2017, ano em que o Congresso aprovou a reforma trabalhista. A previsão, que é questionada no Supremo Tribunal Federal, reduziu bastante o número de ações judiciais, já que, de acordo com especialistas, os reclamantes passaram a ter mais medo de perderem os processos.
Segundo advogados trabalhistas ouvidos pela ConJur, a homologação do acordo pelo TRT-17 “é absurda” e abre um precedente perigoso: a transferência para a Justiça do Trabalho de uma previsão que só existe em sentenças criminais.
“Mesmo de acordo com a disposição da reforma trabalhista, não seria exigível do trabalhador o pagamento de qualquer honorário, só podendo ser cobrado se, em até dois anos, fosse comprovada a mudança da condição econômica do reclamante. Nesse contexto, a realização de audiência de conciliação em execução indevida e a criação de obrigação de ‘trabalho voluntário’ para pagamento de honorários sucumbenciais expressa a intenção de fechamento das portas do Judiciário para trabalhadoras e trabalhadores e a lógica de preconceito contra o reclamante na Justiça do Trabalho”, afirma a advogada Tainã Góis, do Mauro Menezes & Advogados.
Ainda de acordo com ela, a homologação do acordo pelo TRT-17 equivale a criminalizar a propositura de ações e de condenar o reclamante a trabalhar pelo simples fato de perder uma ação.
“Em nosso ordenamento só existe a obrigação de trabalho para os casos de sentença criminal condenatória transitada em julgado. Condenar alguém por uma dívida que ela não tem reforça a criminalização das tentativas de acesso a direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, estimulando que cada vez mais empresas se sintam livres para descumprir a lei, uma vez que já está disseminado o medo nos empregados e empregadas de acessar a Justiça — um direito constitucional.”
Pena de natureza criminal
Para a advogada Isabela Blanco, que atua no Rio de Janeiro, o acordo é nulo e imputa pena substitutiva a um trabalhador que exerce o direito de ação e que está em estado de miserabilidade.
“A prestação de serviço comunitário é uma ‘pena’ de natureza criminal. Sendo assim, sua aplicação deve estar relacionada à prática de crime (integrando, pois, um rol taxativo), não podendo ser cogitada no âmbito do Direito do Trabalho. Havendo essa cogitação questionável, a prestação de serviço jamais poderia ser utilizada como substituto indenizatório”, afirma.
Ela também enfatiza que desde a reforma trabalhista se acentuou uma espécie de “marginalização das ações”. Para a advogada, a homologação do acordo pelo TRT-17 representa bem esse fenômeno.
“Um dos aspectos mais perversos da mencionada legislação foi a possibilidade de impor aos trabalhadores a condenação de honorários advocatícios de sucumbência, sob o falacioso discurso da valorização da advocacia trabalhista”, afirma.
Para Ricardo Calcini, professor de pós-graduação da FMU, a homologação é inusitada, já que ao invés de suspender a exigibilidade do cumprimento da obrigação pelo prazo de dois anos, tal como dispõe o artigo 791-A, parágrafo 4º, da CLT, o TRT-17 optou por validar a prestação de serviços.
“Chancelar essa conduta para a satisfação de créditos devidos de terceiros — na hipótese, dos advogados da empresa —, acaba por intimidar ainda mais a propositura de ações judiciais pelos trabalhadores. Veja-se que a própria legislação, em caso de improcedência dos pedidos, já deu a solução adequada traduzida na suspensão da exigibilidade da cobrança”, afirma.
Ele também ressalta que “conquanto tenha sido acordada a prestação de serviços comunitários, o acordo pode vir a ser desfeito via ação rescisória, por afrontar princípios e preceitos de ordem constitucional”.
“A sociedade ganhou”
Para Willer Tomaz, sócio do Willer Tomaz Advogados Associados, a homologação foi uma boa saída. “Os honorários de sucumbência possuem natureza alimentar e são um direito do advogado da parte vencedora. Exatamente por ser um direito individual, o seu titular é livre para dele dispor como quiser, inclusive renunciando ao direito”, diz.
Ainda de acordo com o advogado, “a solução conjunta encontrada neste caso bem representa a importância da consensualidade dos litígios trabalhistas, pois, mediante concessões mútuas, atingiu-se a pacificação do conflito, onde, de um lado, ganhou o trabalhador e, de outro, a sociedade”.
Luciano Andrade Pinheiro, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, concorda. “A solução consensual é sempre melhor. As partes compuseram e finalizaram um litígio de forma que todos saíram beneficiados. O trabalhador se livrou da dívida e do processo e a sociedade ganhou com o serviço comunitário”.
Fonte: Conjur
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