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Não há responsabilidade solidária do clube cessionário pelo cumprimento de obrigações assumidas pelo cedente

*Por Mauricio Corrêa da Veiga

“O vínculo desportivo apenas nasce quando o contrato de emprego passa a ser registrado junto à entidade de administração do desporto. Não é a existência da relação de emprego, pois, que faz surgir o vínculo desportivo, mas sim o registro formal daquele junto à aludida entidade do desporto.

Ministro Alexandre Luiz Ramos

Em decisão publicada no dia 09/08/2019, a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que na cessão temporária não há que se falar em responsabilidade solidária do cessionário quanto ao adimplemento de cláusulas firmadas exclusivamente com o cedente.

O acórdão foi proferido nos autos do ARR 10007-55.2015.5.01.0072 e se traduz em importante precedente que servirá de bússola para outros julgamentos.

Entenda o caso

O atleta profissional de futebol Lucas Pedro Alves de Lima, ajuizou Reclamação Trabalhista em face de Botafogo de Futebol e Regatas e Goiás Esporte Clube.

Na inicial expôs que celebrou contrato de trabalho desportivo com o clube Botafogo, por prazo determinado (23/07/12 a 22/07/17), com remuneração inicial de R$ 46.000,00, cláusula de evolução salarial (R$ 48.000,00, R$ 53.000,00 e R$ 58.000,00, respectivamente a partir de 01 de agosto de 2014, 2015 e 2016), além de 01 salário anual a título de luvas.

Os clubes demandados contrataram a cessão temporária do atleta, no período de 24 de janeiro a 31 de dezembro de 2014, mantendo integralmente aquelas condições.

Contudo, o Botafogo jamais teria depositado o FGTS e deixou de pagar as luvas referentes a 2013. Já o Goiás, que se obrigou ao pagamento de R$30.000,00 a título de salário (o restante seria quitado pelo cedente), limitou-se a registrar tal valor na CTPS, e porque entendia que sua obrigação restringia-se a esta parcela, não quitou luvas, férias e décimo terceiro do ano de 2014. O atleta firmou que ambas os clubes reclamados deixaram de pagar o salário contratual integral, na medida em que ignoraram a cláusula de evolução.

Em resumo, alegou o jogador que ficou sem receber os salários integrais de outubro, novembro e dezembro de 2014, sem receber férias e décimo terceiro salário 2014, sem receber o valor estipulado a título de luvas nos anos de 2013 e 2014, além do irregular depósito de FGTS, razão pela qual postulou na ação, dentre outros pedidos: a) a responsabilidade solidária das reclamadas (pedido 3); b) declaração da rescisão indireta, a condenação das reclamadas no pagamento da cláusula compensatória desportiva e das verbas resolutórias (pedidos 4, 14 e 15); c) a liberação do vínculo empregatício e desportivo (pedido 1); d) a condenação das rés ao pagamento do FGTS, das luvas de 2013, dos salários de outubro, novembro e dezembro, luvas, férias, décimo terceiro de 2.014, observando-se a evolução salarial prevista em contrato, e respectivos reflexos (pedidos 5 a 11); e e) a retificação da CTPS, a fim de que conste o real salário (pedido 12).

Em sua defesa, o Goiás E.C. alegou que o Botafogo de Futebol e Regatas, continuaria responsável pelo pagamento dos salários e demais encargos trabalhistas do atleta, dentre elas, férias e 13º salário, sendo que, caberia ao Goiás o depósito de 13 (treze) parcelas mensais no valor de o R$ 30.000,00 (trinta mil reais) na conta corrente do atleta. Foi ressaltado que tais parcelas eram depositadas na forma de adiantamento ao jogador, nos termos entabulados, sendo de responsabilidade do Botafogo o pagamento do salário, bem como a efetiva dedução de tal adiantamento do atleta.

Na contestação foram anexados todos os comprovantes das referidas parcelas, conforme acordado e contratado entre as partes, inclusive com a anuência expressa do jogador.

Em primeira instância houve a condenação solidária dos clubes, enquanto que o TRT manteve a sentença, mas limitando a condenação do Goiás ao tempo da prestação dos serviços, ao pagamento das parcelas trabalhistas devidas ao atleta (verbas rescisórias decorrentes do reconhecimento da rescisão indireta do contrato de emprego, diferenças salariais, reconhecimento da natureza salarial das luvas e respectivo reflexo em outras verbas, e, ainda, o pagamento do valor oriundo da cláusula compensatória desportiva).

O caso, portanto, foi parar no Tribunal Superior do Trabalho.

Aspectos da cessão temporária

A cessão do atleta é vulgarmente denominada de “empréstimo” do jogador e é definida por João Leal Amado1 como “um contrato através do qual uma entidade empregadora cede provisoriamente a uma outra, determinado trabalhador, conservando, no entanto, o vínculo jurídico-laboral que com ele mantém e, daí, a sua qualidade de empregador.”

Todavia, o empréstimo de mão de obra e o Direito do Trabalho estabelecem uma relação conflituosa e tensa, na medida em que a OIT afirma, de forma peremptória, que o trabalho não é uma mercadoria.

A cessão do atleta, seja ela temporária ou definitiva, por um empregador a outro, dependerá da prévia concordância por escrito do atleta, pois nesse sentido estabelece o artigo 38 da Lei Pelé.2

Trata-se de requisito indispensável para a validade do próprio negócio jurídico.

A transferência do atleta profissional de uma entidade de prática desportiva para outra de mesmo gênero poderá ser temporária e o novo contrato de trabalho celebrado deverá ser por igual período ou menor que o anterior, ficando o atleta sujeito à cláusula de retorno à entidade de prática desportiva cedente, vigorando no retorno o antigo contrato, quando for o caso.

Outrossim, de acordo com a lei esportiva, o atleta cedido temporariamente a outra entidade de prática desportiva que tiver os salários em atraso, no todo ou em parte, por mais de 2 (dois) meses, notificará a entidade de prática desportiva cedente para, querendo, purgar a mora, no prazo de 15 (quinze) dias, não se aplicando, nesse caso, o disposto no caput do art. 31 da Lei Pelé, conforme disposição contida no artigo 39.

Importante observar que a lei afirma que o não pagamento ao atleta de salário e contribuições previstas em lei por parte da entidade de prática desportiva cessionária, por 2 (dois) meses, implicará a rescisão do contrato de empréstimo e a incidência da cláusula compensatória desportiva nele prevista, a ser paga ao atleta pela entidade de prática desportiva cessionária.

Na hipótese de ocorrer a rescisão mencionada no § 1º do artigo 39, o atleta deverá retornar à entidade de prática desportiva cedente para cumprir o antigo contrato especial de trabalho desportivo.

A decisão proferida pelo TST

O recurso do Goiás foi provido para afastar sua responsabilidade solidária.

Como foi bem ressaltado no voto condutor, ao contrário do que ocorre nos casos de intermediação de mão-de-obra, onde cada empresa usufrui da força de trabalho do empregado concomitantemente, na cessão temporária do atleta profissional, apenas o cessionário dela usufrui, visto que o vínculo desportivo estabelece uma relação de exclusividade na prestação dos serviços.

Nesse caso, a responsabilidade trabalhista é limitada às partes que participam de cada contrato de emprego individualmente considerados, exceção apenas ao caso da responsabilidade solidária do cedente prevista no art. 39, caput, da Lei nº 9.615/98, supra referida.

Com efeito, restou demonstrado que as partes não ajustaram qualquer espécie de responsabilidade ao clube cessionário, senão a de celebrar novo contrato especial de trabalho desportivo e, ainda, a de pagar a quantia de R$30.000,00 (trinta mil reais) diretamente ao atleta. As demais obrigações contratuais, como expressamente ajustadas, seriam cumpridas integralmente pelo Botafogo (cedente), porquanto suspenso parcialmente o primeiro contrato especial de trabalho desportivo.

Consta da ementa do acórdão o seguinte trecho. Verbis:

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. CESSÃO TEMPORÁRIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO CLUBE CESSIONÁRIO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.

I. Na cessão temporária de um atleta profissional entrevê-se duas relações jurídicas distintas, com efeitos particulares: (a) em relação ao cedente, haverá a suspensão dos efeitos do contrato de emprego, que poderá ser total ou parcial, consoante as obrigações assumidas no contrato de cessão, e que se restabelece ao término do prazo da cessão; (b) em relação ao cessionário, haverá a negociação e a assinatura de um novo contrato de emprego, independente e que se sobrepõe temporariamente ao anterior, com novo empregador, prazo de duração (igual ou inferior ao contrato mantido com o cedente), com livre pactuação das condições financeiras, como salário, luvas, premiações etc. II. A rigor, salvo disposição contratual em sentido contrário e a responsabilidade solidária do cedente prevista no art. 39, caput, da Lei nº 9.615/98, a responsabilidade trabalhista na cessão temporária de atleta profissional é limitada às partes que participam de cada contrato de emprego individualmente considerado. III. Na medida em que afirmado pelo segundo Reclamado e não negado pelo Reclamante, de que cumpriu com o contrato de cessão, mediante o pagamento das 13 (treze) parcelas de R$30.000,00, não subsiste qualquer responsabilidade do segundo Reclamado (Cessionário), no adimplemento de cláusulas firmadas exclusivamente com o primeiro Reclamado (Cedente), integrantes do primeiro CETD. IV. À falta de amparo legal ou disposição contratual, a decisão regional que mantém responsabilidade solidária a uma das partes, viola o disposto no art. 265 do Código Civil. V. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.

Desta forma, diante das peculiaridades que envolvem a atividade do atleta profissional, com base na interpretação da lex sportiva e com fulcro no que prevê o art. 265 do CCB, o recurso do Goiás foi provido para afastar a sua responsabilidade solidária pelo adimplemento de verbas assumidas pelo clube cedente.

2 Art. 38. Qualquer cessão ou transferência de atleta profissional ou não-profissional depende de sua formal e expressa anuência.