Categorias
Notícias Propriedade Intelectual

Melhora de backlog do INPI ainda é insuficiente e atrapalha inovação

Mecanismo de compensação por demora estatal é necessário para incentivar empresas inovadoras.

Desde 2019, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) tenta diminuir o tempo de espera para conceder patentes no Brasil. Setores inovadores que dependem de investimentos em pesquisa e desenvolvimentos comemoram os avanços e elogiam a atual gestão do órgão, mas afirmam que a situação ainda é está longe do ideal em comparação com outros países.
Especialistas da área defendem que investimentos e autonomia orçamentária do INPI podem ajudar a diminuir o tempo de avaliação da autarquia e, ao mesmo tempo, esperam um mecanismo de compensação para patentes que foram e podem vir a ser prejudicadas pela demora na análise.
Isso porque, há pouco mais de um ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI), que previa a garantia de prazo mínimo de 10 anos para vigência de uma patente que tivesse demorado mais de 10 anos para ser analisada pelo INPI.

Atualmente, o INPI demora em média sete anos para examinar os pedidos de patentes, mas em determinados setores, como fármacos, biofármacos e telecomunicações, a situação é mais problemática e nota-se poucos avanços no backlog.
Uma análise feita pelo escritório internacional especializado em patentes Osha Bergman Watanabe & Burton LLP mostra que o INPI demorou, em média, 10,25 anos para decidir sobre as patentes biofarmacêuticas entre 1º de janeiro de 2020 e 23 de março de 2022.
Em 2020, foram concedidas 2.020 patentes biofarmacêuticas, com uma espera média de 10,45 anos para a decisão final. Já em 2021, foram 1.815 patentes concedidas nesta área, com 10,07 anos de tempo médio para o exame.
De janeiro a março de 2022, foram 241 registros de invenções biofarmacêuticas concedidos, com um tempo de espera médio de 9,87 anos.
Os dados ainda revelam que 98% dos pedidos aprovados entre 2020 e 2022 levaram mais de cinco anos de análise, e 419 das 4.076 patentes biofarmacêuticas concedidas durante o período do estudo estavam pendentes há 15 anos ou mais no momento da concessão, um número que representa 10% do universo das patentes autorizadas.
Dados do próprio INPI de outubro de 2021 mostram que havia pedidos de telecomunicação depositados em 2011 sem conclusão e da divisão de medicamentos em 2012 que só foram decididos quase dez anos depois.
Os dados são alarmantes e muito distantes do padrão dos escritórios de outros países. Mas a situação já foi ainda pior: em 2018, chegava a 11 anos em média geral para todos os setores, e diminuiu devido ao Programa de Combate ao Backlog 2019-2021 do órgão, que é presidido por Claudio Furtado. Em algumas situações, houve patentes que só foram aprovadas após 17 anos. Para efeitos de comparação, em países como Estados Unidos e Canadá, a espera é de cerca de dois anos.
Arthur Farias Gomes, gerente jurídico da CropLife Brasil, afirma que o plano de combate ao backlog teve resultados reconhecidos por todos os setores que trabalham com invenção, mas que “ainda há muito para melhorar”, e lembrou do corte orçamentário que o órgão sofreu em fevereiro, quando a previsão de repasses para este ano foi reduzida de R$ 70 milhões para R$ 34 milhões pelo Congresso.
“Teve uma melhora, mas a gente toma uma base comparativa que era muito ruim. Alguns anos atrás, tinha pedido que demorava 17 anos para ser analisado pelo INPI. Podemos caminhar para cenários de muito mais qualidade, quando olhamos para países com um número de exames semelhantes ao do Brasil, como Canadá e Austrália, que levam menos de 24 meses para analisar”, opina.
Para isso, acredita que o órgão deve ter autonomia orçamentária, que seria “muito interessante para seu fortalecimento como órgão e para apoiar mais a inovação do país”. Mas, junto a isso, defende um novo sistema de compensação, a ser criado pelo Legislativo.
A demora na análise das patentes é ainda pior para setores como fármacos e defensivos agrícolas que, além de esperarem anos para serem autorizados a explorar com exclusividade sua tecnologia, ainda precisam passar por órgãos reguladores como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

O STF e o sistema de compensação por atrasos

Em maio de 2021, o plenário do STF decidiu, por 9 votos a 2, que é inconstitucional o parágrafo único do artigo 40 da LPI.
A lei previa que as patentes de invenção devem durar 20 anos contados a partir da data de depósito no INPI, ou dez anos após a data de concessão, como forma de compensação caso houvesse demora de mais de uma década na análise. Foi este segundo prazo que foi derrubado.
Com isso, ficou valendo apenas a regra geral: as patentes de invenção deverão valer por 20 anos, a partir da data do pedido, independentemente do tempo de análise. Houve modulação de efeitos, isto é, a decisão só vale para pedidos depositados a partir da decisão.
Mas os medicamentos e equipamentos de uso em saúde não foram incluídos nesta modulação, portanto, patentes do setor da saúde foram imediatamente afetadas pelo fim do dispositivo declarado inconstitucional.
O advogado Lucas Barbosa, do Corrêa da Veiga Advogados, especializado em propriedade intelectual, afirma que a derrubada do dispositivo da LPI pelo STF foi prejudicial a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, que antes tinham uma compensação em caso de demora, e agora não têm mais.
“Sem incentivos claros, decorrentes de institutos jurídicos albergados pelo sistema de propriedade intelectual, não haverá criações de que a sociedade possa se beneficiar. Em decorrência da decisão do STF, inventores e organizações dedicadas à execução de projetos de PD&I não têm condições de precisar por quanto tempo fruirão de privilégios de propriedade intelectual”, opina.
“Ocorre que, enquanto não concedida a patente, existe apenas expectativa de direito, a qual, logicamente, não justifica os investimentos aplicados”, acrescenta, afirmando que cabe ao Legislativo criar um novo mecanismo.
Para o representante da Croplife, é possível criar um sistema de compensação inspirado em outros países (incluindo países da América Latina), em que seria possível que o próprio órgão responsável por conceder as patentes faça um cálculo dos atrasos para liberar um período a mais de exploração exclusiva da tecnologia.
“Existe o modelo dos EUA que faz os ajustes entre atrasos dos particulares e atrasos do Estado. Ninguém quer compensação pelo atraso que vem do setor privado, e sim pelos atrasos do Estado. Se o Legislativo tiver a capacidade de discutir e votar em um tempo razoável algum mecanismo que compense os particulares pelos atrasos do Estado, é isso que a gente busca”, destaca.
O advogado Otto Licks, especializado em patentes, também defende esse tipo de mecanismo. “Tem patente que pode receber um dia a mais de prazo, tem patente que pode receber uma semana a mais de prazo, tem patente que pode receber anos a mais de prazo, sempre dentro de uma fórmula objetiva, com parâmetros estabelecidos há anos na legislação brasileira sobre processos administrativos. Os pedidos de patente são processos administrativos, então já existe uma base”, sugere o sócio-fundador do Licks Attorneys.
Neste modelo, é calculada, para fins de compensação, a demora do próprio órgão. Os atrasos do requerente da patente, como descumprimento de prazos de entrega de documentações ou de pagamentos, por exemplo, não são considerados para conceder um tempo a mais de uso da patente.
Desde que a regra legal de extensão de prazos em caso de demora foi declarada inconstitucional pelo Supremo, marcas e pessoas têm ajuizado ações na Justiça a fim de conseguir uma compensação. A decisão varia caso a caso.
Licks diz que a gestão atual do INPI “é a melhor nas últimas décadas”, e elogia as medidas para diminuir o backlog, mas afirma que o prazo para decisão “está longe de estar dentro do razoável”.
“O ideal é que exista uma legislação, um regulamento, isso vai dar uma uniformização, não vai ficar uma situação de cada juiz decidir de um jeito, o ideal seria que existisse um sistema mais claro, objetivo instituído por lei, para permitir a administração pública reconhecer que houve mais tempo do que o razoável e faça uma compensação do prazo”, acrescenta.

Matéria publicada no portal Jota.