Indústria de equipamentos médicos e odontológicos consegue liminar que adia volta do pagamento de tributos sobre funcionários para janeiro de 2019. Desembargador do TRF-3 entende que não é possível mudar regras tributárias no meio do ano
A menos de uma semana da reoneração da folha de pagamento de vários setores da economia, um impasse jurídico tomou conta da volta da tributação em 2018. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) acatou um pedido da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo), que entende que o custo tributário não pode ser exercido neste ano. Assim, a cobrança passa para janeiro de 2019. Na prática, a decisão só beneficia as companhias filiadas à entidade, mas abre espaço para que outros contribuintes entrem na Justiça para garantir o benefício.
A reoneração da folha foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em 30 de maio, mas a cobrança só é feita 90 dias após a publicação — prazo para as empresas se prepararem para a volta dos custos. Antes, 56 setores da economia tinham o benefício fiscal de pagar menos impostos para a contratação de mais funcionários. A política foi implementada desde 2011 pelo governo federal, mas não surtiu os efeitos esperados na economia e no mercado de trabalho.
Tanto é que a equipe econômica propôs o corte de vários setores beneficiados. Pelas novas regras, apenas 17 grupos continuarão com o incentivo fiscal — com prazo até 2020. Os 39 setores restantes voltam a ser tributados em 1º de setembro. A Receita Federal espera arrecadar R$ 830 milhões a mais neste ano com a medida. O impasse jurídico, entretanto, pode atrapalhar os ganhos do governo federal.
Na decisão envolvendo a Abimo, o desembargador Luiz Alberto Souza Ribeiro, do TRF-3, entendeu que não é possível mudar as regras tributárias no meio do ano, porque isso “atenta” contra a segurança jurídica e viola a boa-fé do contribuinte, “que, na crença da irretratabilidade da escolha, planejou suas atividades econômicas frente ao ônus tributário esperado”.
Para Paulo Henrique Fraccaro, diretor-superintendente da associação, “o governo cria distorção na contabilidade da empresa com uma modificação em pleno ano fiscal”. “É muito difícil para qualquer companhia, no meio do ano, fazer essa alteração. Seria um prejuízo enorme, porque tem impacto significativo no faturamento”, afirmou.
De acordo com ele, a entidade representa 360 associados, que respondem por 84% do consumo brasileiro no setor. “Essas empresas teriam juntas custos de R$ 400 milhões”, estimou Fraccaro. O diretor da Abimo lembrou que o governo é grande beneficiário do mercado de saúde, porque o setor público é o maior “consumidor”.
A determinação do TRF-3 não beneficia setores e empresas que não estejam incluídas no processo. Por ser uma decisão monocrática, a liminar pode ser levada para julgamento na turma do tribunal. Segundo a assessoria de imprensa da Corte, o governo federal também pode recorrer aos tribunais superiores. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que avaliará a conveniência da interposição de recurso.
Independentemente do que ocorrerá no futuro, outros setores e entidades empresariais se preparam para obter o benefício na Justiça e protelar a volta da cobrança para janeiro de 2019. Especialistas tributários divergem sobre a questão. A advogada Catarina Borzino, do escritório Corrêa da Veiga, considera a decisão do desembargador acertada. “Foi certa. Principalmente na situação de crise econômica avançada e de dificuldade financeira das empresas”, disse. “A avaliação sobre a postergação da reoneração da folha leva em consideração que o pagamento prejudica empresas que se programam, desde o início do ano, de acordo com a definição tributária posta. Então, a companhia acaba sendo surpreendida com o retorno dos pagamentos”, completou.
A Lei 12.546, que trata sobre a desoneração da folha, estabelece que a opção pela tributação será “irretratável” para todo o ano-calendário. O advogado tributarista Eduardo Diamantino alegou, porém, que o projeto de lei aprovado neste ano derruba a questão. “Lei posterior derroga lei anterior”, explicou. “Além disso, houve prazo de 90 dias para preparação das empresas”, completou.
Incongruência
Enquanto o impasse jurídico não é resolvido, economistas criticam a mobilização das companhias para evitar a tributação. O presidente da Macroplan, Cláudio Porto, afirma que é preciso acabar com qualquer tipo de “artificialismo” de políticas públicas de subsídios, desoneração e incentivos fiscais que não deram certo no país. “Essa série de benesses é uma das causas do buraco fiscal em que o país se encontra, com deficit de R$ 159 bilhões neste ano”, afirmou. “Todos são a favor da sustentabilidade fiscal do país, desde que não mexa no próprio benefício”, criticou.
Roberto Piscitelli, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), declarou que o fim da desoneração às empresas não deve gerar demissões. “Essa é uma pressão que sempre existiu para que companhias e setores não perdessem benefícios, mas, na verdade, as renúncias só resultaram em aumento dos lucros dos empresários. A política de incentivo foi dada de mão beijada, sem acompanhamento do governo federal”, apontou o especialista.
Beneficiados
A desoneração da folha de pagamento será mantida para 17 setores: calçados, call center, comunicação, confecção/vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas. O benefício da desoneração da folha acabará no fim de 2020 para todos os setores.
Portal Correio Braziliense, 25 de agosto de 2018.