Por Rafa Santos
A última reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) completou quatro anos no último dia 11 de novembro deste ano. O conjunto de mudanças na CLT promovido pelo governo de Michel Temer suscitou intenso debate jurídico e muitas questões judicializadas ainda serão discutidas pelo Supremo Tribunal Federal. Diante desse cenário, a notícia de que o governo de Jair Bolsonaro (PL) estuda promover novas alterações no regramento trabalhista divide opiniões.
No centro do debate está um estudo elaborado pelo Grupo de Altos Estudos do Trabalho. O Gaet foi dividido em quatro partes para elaborar propostas sobre economia e trabalho; Direito do Trabalho e segurança jurídica; trabalho e previdência e liberdade sindical.
O eixo dedicado a estudar propostas relacionadas aos direitos trabalhistas, por exemplo, é liderado por Ives Gandra Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho. O voltado a elaborar mudanças sobre economia do trabalho é encabeçado pelo economista Ricardo Paes de Barros.
O resultado do trabalho desses especialistas é um documento de 262 páginas. O estudo propõe 330 alterações em dispositivos da CLT que vão desde a inclusão de 110 regras, a alteração de 180 e a revogação de 40 delas. Um dos pontos mais sensíveis regula o trabalho via aplicativos de economia compartilhada. O grupo defende que o artigo 3º da CLT determine expressamente que essa modalidade de serviço prestado entre trabalhador e empresas de tecnologia não constitui vínculo empregatício.
A regulação do trabalho no âmbito da gig economy, ou economia de “bicos” representa um desafio regulatório e, no Brasil, é tema de controvérsia jurisprudencial. A determinação proposta pelo Gaet visa disciplinar a questão. Segundo os estudiosos, ainda não existe em nosso ordenamento jurídico nenhuma norma que verse expressamente sobre o tema.
“É importante ter em mente um aspecto relevante no cenário onde essa intermediação entre consumidores e prestadores de serviço for desempenhado apenas por empresas privadas. Essas empresas tendem a ser remuneradas por uma parcela do que o cliente paga ao prestador de serviço. Quanto maior o poder de mercado das empresas que fazem a intermediação maior tende a ser essa parcela. Logo, o estímulo a um ambiente de concorrência entre essas empresas tende a ser uma ação do governo que protegeria o trabalhador que presta serviços por conta própria via intermediação privada”, diz trecho do documento.
Outro ponto polêmico é sugestão de alteração do artigo 67 da CLT para determinar que “não há vedação ao trabalho em domingos, desde que ao menos uma folga a cada sete semanas do empregado recaia nesse dia”.
Conforme o regramento atual, para se trabalhar aos domingos, é preciso estar na estar na lista de atividades autorizadas pela Secretaria Especial do Trabalho ou possuir autorização de entidade sindical, mediante convenção ou acordo coletivo. Também é necessário que, em atividades comerciais, o trabalho aos domingos não viole legislações municipais. Isso, conforme o Gaet, serve como uma barreira injustificada ao trabalho aos domingos.
“Certo é que em uma sociedade digital em crescente movimento, cada vez mais, as pessoas esperam que as empresas atendam suas expectativas de bem-estar, moldando seus serviços e horários de atendimento às suas necessidades”, diz trecho da justificativa.
FGTS e seguro desemprego
Outra mudança proposta é o fim do pagamento de multa rescisória para o trabalhador e a criação de um fundo único composto pelo FGTS e o seguro-desemprego. Ao invés do seguro ser pago após a demissão, os recursos passariam a ser depositados ao longo dos primeiros 30 meses de trabalho do empregado.
Os trabalhadores que recebem um salário-mínimo teriam que contribuir com 16% do valor recebido, o dobro da contribuição exigida dos empregadores para o FGTS. “Esse subsídio púbico, entretanto, deve ser focalizado, de tal forma que seu valor deve variar inversamente com o nível da remuneração recebida pelo trabalhador. A focalização, novamente, faz com que os subsídios públicos beneficiem exclusivamente os trabalhadores em situação mais vulnerável contribuindo, dessa forma, para a redução na desigualdade de renda”, justificam os especialistas.
Segurança jurídica
Advogados divergem quanto à garantia de segurança jurídica das normas propostas. O Para o advogado Cláudio Lima Filho, especialista em Direito Trabalhista e sócio do escritório Dias, Lima e Cruz Advocacia, o estudo apresenta pontos importantes para o empresariado brasileiro.
“A proibição do reconhecimento de vínculo de prestadores de serviço de aplicativos acaba dando segurança jurídica aos aplicativos, aumentando o faturamento e consequentemente a aderência de novos prestadores desse tipo de serviço”, explica o advogado.
Cláudio ressalta que essa reforma não impede que o prestador de serviço ajuíze uma ação trabalhista demonstrando a existência de vínculo empregatício. “Este ponto do estudo só desestimula o ajuizamento de ações, mas não impede que elas aconteçam e muito menos de que elas sejam indeferidas, se os requisitos trabalhistas foram demonstrados”, completa.
Já o advogado Pedro Maciel, sócio da Advocacia Maciel, o conjunto de propostas da nova reforma trabalhista causaria muita revolta nos trabalhadores ao permitir que a folga aos domingos ocorra apenas uma vez a cada sete semanas.
“Seria um grande retrocesso da legislação, estaria se minorando a remuneração dos trabalhadores frente a um dia que é tido como de descanso. Dessa forma, a referida medida pode vir a ocasionar uma grande mudança na própria vida social do trabalhador”, declarou.
“Penso que a proposta de alteração [sobre o trabalho aos domingos] vem regulamentar uma realidade. Hoje em dia muitos empregados trabalham aos domingos, principalmente no setor do comércio”, diz Ronaldo Tolentino, advogado trabalhista e sócio da Ferraz dos Passos Advocacia.
Com relação à ausência de vínculo de motorista por aplicativo, Pedro Maciel diz que é uma mudança muito sensível. “Há diversos tipos de aplicativos com diversas funções em sua organização. Generalizar este aplicativo seria tentar acabar com a insegurança jurídica que é caracterizada pela incerteza acerca do vínculo empregatício de forma preguiçosa, sem uma correta análise do caso.”
O advogado acredita que uma medida mais acertada seria criar uma espécie de regulamentação especial para este tipo de trabalhador, e não só os equiparar a autônomos, pois eles têm uma característica que não se enquadra em nenhuma forma de contratação presente na CLT.
Para Mauricio Corrêa da Veiga, advogado trabalhista e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, “estamos atravessando um momento de profundas mudanças nos conceitos clássicos de trabalho e emprego, principalmente no que torna a denominada economia colaborativa (sharing economy)”.
“Os motoristas de aplicativos não são empregados naqueles moldes tradicionais. Porém, esses prestadores de serviços não são ’empresários’ e donos do seu próprio negócio. Logo, seria importante assegurar prerrogativas mínimas para essas pessoas, como seguro e previdência”, acrescenta.
Matéria publicada no Conjur.
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