SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Publicada no Diário Oficial nesta quinta-feira (18), a medida provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que modifica artigos da lei Pelé (9.615/1998) em tese dá aos clubes mais poder de barganha nas negociações dos direitos de transmissão dos jogos de futebol.
A publicação foi comemorada por sete representantes de equipes da Série A do Campeonato Brasileiro ouvidos pela reportagem. Especialistas no assunto, porém, temem que as novas formas de negociação possam aumentar a disparidade financeira entre os clubes do país.
A medida provisória entra em vigor no mesmo dia da publicação, mas precisa ser aprovada ou rejeitada pelo Congresso em até 60 dias, renováveis pelo mesmo período. Até que isso aconteça, tem poder de lei.
A principal alteração prevista é determinar que o clube mandante da partida tem o direito exclusivo de “negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo”. Pela versão anterior, esses direitos dependiam da anuência das duas equipes envolvidas.
O Flamengo é o único, entre os principais clubes do país, que poderia se beneficiar imediatamente do novo texto da lei. Isso porque a equipe ainda não assinou contrato com a Globo para as transmissões do Estadual deste ano. Nesta quinta (18), o time rubro-negro enfrentaria o Bangu, no Maracanã, com mando de jogo do adversário.
Essa medida não veio para o Flamengo, veio para todos os clubes saírem das mãos da Globo, disse à coluna Painel, da Folha de S. Paulo, o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim.
“É o nosso novo caminho. Não é uma crítica, mas uma constatação: estávamos em um monopólio de décadas com a Globo”, afirmou Mario Celso Petraglia, cartola do Athletico.
A emissora disse por meio de nota que o texto não modifica contratos já assinados e “continuará a transmitir regularmente os jogos dos campeonatos que adquiriu, de acordo com os contratos celebrados, e está pronta para tomar medidas legais contra qualquer tentativa de violação de seus direitos adquiridos”.
“Eu gostei muito [da Medida Provisória]. Acho que dá mais competitividade ao produto. No caso, acho que beneficia o Flamengo, mas pode também beneficiar times menores, que terão um produto mais redondo, caso se unam. Se houver formação de grupos de clubes médios, por exemplo, estes ficarão melhores que hoje, quando estão marginalizados”, afirma Guilherme Bellintani, presidente do Bahia.
“Sou muito a favor, vai auxiliar os clubes. O Santos vende os direitos de transmissão dos jogos dele. Se quiser vender para a Itália, vende”, diz José Carlos Peres, mandatário do Santos.
A medida provisória pode dar a chance a Coritiba e Red Bull Bragantino fazerem contratos individuais já em 2020. Promovidos à Série A do Brasileiro no ano passado, eles ainda não fecharam acordo com nenhuma emissora para o torneio.
Já o Athletico não tem acerto para pay-per-view. Os demais times possuem contrato com a Globo para TV aberta e PPV. Eles estarão livres para uma nova negociação a partir de 2025.
“Eu vejo com bons olhos essa medida e espero que possa se tornar algo definitivo. Os clubes precisam de um protagonismo maior no futebol e liberdade para negociar seus direitos de transmissão. Enxergo como positivo para a valorização do futebol brasileiro como ‘produto'”, concordou Marcelo Paz, presidente do Fortaleza.
Oito times da elite (Athletico, Bahia, Ceará, Coritiba, Fortaleza, Internacional, Palmeiras e Santos) têm acordo em vigência com a Turner para TV fechada.
A empresa suspendeu os pagamentos aos clubes e, na visão de dirigentes, tenta encontrar uma forma de se livrar do compromisso assumido com eles. Se isso acontecer, as agremiações poderão negociar outro contrato, possivelmente dentro da nova lei.
Procurada, a empresa disse que está analisando a medida provisória e avalia possíveis impactos da nova regulação.
O contrato atual dos times paulistas com a Globo para o Estadual expira neste ano.
“Essa medida provisória vale para os contratos firmados a partir de hoje. As regras do jogo não podem ser mudadas por uma canetada”, afirma o advogado Eduardo Carlezzo, especializado em direito desportivo.
Ele é um dos que alertam para a hipótese de que os clubes não vão ganhar mais simplesmente porque existe da liberdade de negociação. Para o advogado, a diferença financeira inclusive pode ficar mais acentuada.
“Vai gerar aos clubes grandes alguns super contratos, multimilionários, e os clubes médios e pequenos receberão apenas as migalhas que sobrarem, aprofundando o abismo financeiro no futebol brasileiro”, afirma.
O texto publicado pelo governo nesta quinta é uma cópia do artigo 204 de um projeto de lei apresentado no Senado em 2017 e que nunca foi aprovado.
“É uma Medida Provisória do Flamengo”, diz Cesar Grafietti, economista e consultor de gestão e finanças do esporte.
“Não podemos usar como padrão os estaduais, que são campeonatos decadentes, que em alguns anos podem não existir como os conhecemos hoje. O poder de barganha já existe. Há uma diferenciação. Flamengo e Corinthians ganham mais. O que vai fazer os clubes ganharem mais é uma negociação coletiva. Quem pensa na indústria, pensa em uma negociação coletiva”, completa.
O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, esteve com Jair Bolsonaro nesta quarta. O presidente da República chegou a usar um broche com o escudo rubro-negro durante a cerimônia de posse do novo ministro das Comunicações.
Landim e Bolsonaro defendem a volta imediata do futebol no país, o que ocorrerá com o jogo no Maracanã nesta quinta.
O texto apresentado pelo governo revoga também os itens 5 e 6 do artigo 27-A da Lei Pelé. É a parte da legislação que proíbe que uma empresa de radiodifusão dona de concessão de jogos também patrocine os clubes. Quem desrespeitar essa norma pode ser eliminado da competição.
O Flamengo negocia contrato de patrocínio master com a Amazon, que é vista pelas demais equipes como uma empresa que deve entrar no mercado de transmissões esportivas no Brasil nos próximos anos, algo que já acontece nos Estados Unidos e Europa.
“Esta questão de vedações impostas para quem transmite o espetáculo não deveria ser objeto de medida provisória. É para confrontar a Globo, me parece. Lembra a final de 2000, quando o Vasco colocou o SBT como patrocinador”, avalia o advogado Mauricio Correia da Veiga.
Ele se refere à decisão da Copa João Havelange daquele ano quando, em litígio com a Globo, o Vasco entrou em campo com o logotipo da emissora concorrente na camisa e no calção dos jogadores. Pouco depois, a restrição foi colocada na legislação, o que ficou conhecido entre os dirigentes como “Lei Silvio Santos.”
VEJA A NOTA DA GLOBO:
Sobre a Medida Provisória 984, que alterou a lei Pelé e determinou que os clubes mandantes dos jogos passem a ser os únicos titulares dos direitos de transmissão, a Globo vem esclarecer que a nova legislação, ainda que seja aprovada pelo Congresso Nacional, não modifica contratos já assinados, que são negócios jurídicos perfeitos, protegidos pela Constituição Federal. Por essa razão, a nova Medida Provisória não afeta as competições cujos direitos já foram cedidos pelos clubes, seja para as temporadas atuais ou futuras. A Globo continuará a transmitir regularmente os jogos dos campeonatos que adquiriu, de acordo com os contratos celebrados, e está pronta para tomar medidas legais contra qualquer tentativa de violação de seus direitos adquiridos.