Conjur
Por Luciano Andrade Pinheiro e Lucas Barbosa de Araújo
Recentemente, o Conselho da União Europeia aprovou a Proposta de Diretiva sobre Direito Autoral 2016/0280 (COD), que inaugurou grande polêmica por receber acusações desenfreadas de que causaria o fim da internet. A proposta, que ainda precisa de aprovação do Parlamento Europeu, foi criada com o objetivo de combater a pirataria e a distribuição de conteúdo on-line que implique em violação aos direitos de autor. No entanto, a medida foi amplamente criticada por estipular a necessidade de adoção de mecanismos de filtragem denominados “tecnologias de reconhecimento de conteúdos” e por prever a cobrança de uma taxa de licenciamento para sites que reproduzam conteúdos de veículos jornalísticos.
As empresas afetadas pela proposta de diretiva salientam que, da forma como previstas, as normas que exigem a implementação de tecnologias preventivas podem se desdobrar no fim da internet, como a conhecemos. A presidente executiva do YouTube, Susan Wojcicki, chegou a afirmar que se adequar à regulação seria totalmente impossível, porque a implementação dos denominados “filtros de upload” demandaria custos financeiros exorbitantes e, além disso, ensejaria graves riscos à liberdade de expressão, uma vez que os sistemas informatizados não fariam distinção entre utilizações permitidas, como paródias e memes, e as violações de direito autoral que se pretende coibir.
Esses argumentos foram replicados por dezenas de youtubers e influenciadores digitais ao afirmarem reiteradamente que a proposta de diretiva serviria somente aos interesses de grandes empresas que administram a exploração econômica de direitos autorais, em nítido prejuízo dos usuários da internet e dos próprios autores ou criadores de conteúdo. O que passou despercebido em meio a todas essas críticas, no entanto, é que o próprio YouTube, empresa subsidiária do Google, é também representante de um segmento industrial milionário.
Para compreender a controvérsia em sua profundidade, traremos rápida explicação acerca do real conteúdo da proposta de diretiva e vislumbraremos as eventuais consequências que a aprovação desse instrumento normativo pode ocasionar no Brasil.
As disposições mais relevantes repousam no polêmico artigo 13 e afetam plataformas que veiculam conteúdo gerado por terceiros, como YouTube, GitHub, Instagram e eBay. Nos termos da própria diretiva, operadores de serviços da sociedade da informação que armazenam e disponibilizam acesso a grandes quantidades de obras ou materiais, desde que fornecidos pelos próprios usuários, deverão prevenir a disponibilização, em suas plataformas, de conteúdo protegido pelo direito autoral, conforme haja notificação por titulares de direito, ou por meio da implementação e utilização de tecnologias de filtragem de dados, conhecidas como “filtros de upload“.
Esse dispositivo também prevê que os Estados signatários estabeleçam, em seus ordenamentos internos, regras que obriguem os provedores de serviço a fornecer informações atualizadas aos titulares de direito acerca da implementação de tecnologias preventivas e da frequência de utilização de suas obras intelectuais. Além disso, o artigo 11 estipula que Estados-membros devam conferir a editores de publicações de imprensa direitos de proteção relativos à utilização e veiculação digital das suas publicações. Ou seja, plataformas de busca que agregam e direcionam informação concebida por terceiros, como o Google, podem sujeitar-se ao pagamento de royalties para serem capazes de endereçar legalmente aos seus usuários qualquer conteúdo protegido pelo direito autoral.
Em poucas palavras, a diretiva importará na possibilidade de que as plataformas de conteúdo gerado por terceiro sejam responsabilizadas por infrações de direito autoral acaso não estipulem mecanismos considerados satisfatórios para inibir a utilização indevida de obras intelectuais. Apesar de essa iniciativa fazer parte de uma agenda política que pretende uniformizar comércio eletrônico na Europa, as consequências não serão imediatas. Afinal, mesmo após aprovação pelo Parlamento europeu, caberá a cada Estado-membro da União Europeia recepcionar as normas previstas pela diretiva e compatibilizá-las aos seus ordenamentos internos.
A eficácia e o impacto das medidas previstas pela proposta de diretiva, portanto, são necessariamente condicionados à forma como as normas serão recepcionadas internamente pelos Estados-membros da União Europeia, o que por si só já afasta os temores infundados de que a internet, como a conhecemos, brevemente conhecerá seu fim.
O que merece atenção é que, no regime anterior, ainda vigente e sensivelmente distinto, as plataformas de conteúdo gerado por terceiro encontravam-se totalmente desobrigadas da necessidade de adquirir licenças para reproduzir conteúdo e não se sujeitavam à responsabilização civil acaso seus usuários cometessem infrações de direito autoral. As prerrogativas que blindam essas plataformas de qualquer responsabilização patrimonial são conhecidas como “portos seguros” (safe harbors) e foram inauguradas pelo artigo 14, da Diretiva 2000/31/EC, do Parlamento Europeu.
Esse sistema foi duramente criticado por titulares de direito por implicar em grave desbalanceamento à receita do setor. No YouTube, por exemplo, a única modalidade de remuneração ofertada aos autores é unilateralmente definida pela própria plataforma e está embasada em critérios de monetização de vídeos a partir de publicidade veiculada, que variam conforme o tipo de conteúdo do vídeo disponibilizado, o engajamento dos usuários, havendo, ainda, requerimentos de número mínimo de assinantes e de horas de vídeo acessadas a que um canal possa gerar rendimentos. Excepcionalmente, acaso outro usuário poste conteúdo que contenha obra intelectual de terceiros, o YouTube promove um rateio das verbas de publicidade monetizadas entre o usuário provedor de conteúdo e o titular dos direitos correspondentes.
A distribuição de rendimentos de direito autoral nesses termos se evidenciou extremamente insatisfatória ao longo dos anos. A indústria fonográfica reportou exaustivamente um dramático descompasso entre o grande volume de música consumido a partir de plataformas de conteúdo gerado por terceiro e a percepção decorrente de baixa remuneração por detentores de direitos autorais, fenômeno que recebeu a alcunha de “value gap”. A título de ilustração, a Federação Internacional de Indústria Fonográfica (IFPI) denunciou em 2018 que serviços de streaming reúnem em média 272 milhões de usuários e geram receita de US$ 5,569 bilhões, enquanto plataformas de streaming de vídeo, como o YouTube, possuem 1,3 bilhão de usuários e apresentam retorno desproporcional de apenas US$ 856 milhões.
Ainda que as consequências da implementação da proposta de diretiva sejam incertas no contexto europeu, a tendência é que as suas previsões influenciem debates legislativos no Brasil, especificamente direcionados à utilização de obras intelectuais no ambiente digital. Na prática, ainda que formalmente desobrigadas, ante à inexistência de regime legal específico, as plataformas de conteúdo gerado por terceiros já devem aplicar, também no Brasil, as novas tecnologias preventivas a fim de rechaçar prospectivamente chances de responsabilização civil por infrações de direitos autorais cometidas por seus usuários.
No Brasil, a Lei de Direito Autoral (Lei 9.610/98), apesar de promulgada em plena virada de século, é considerada defasada por não endereçar diretamente o fenômeno da internet. As controvérsias jurídicas que envolvem utilização digital de obras intelectuais no Brasil são normalmente resolvidas com amparo em expressões abertas, que fornecem ao intérprete diretrizes básicas e conceitos fundamentais que regram as modalidades de utilização aplicáveis no ambiente virtual, como, por exemplo, a disposição do artigo 7º, que define obras intelectuais como aquelas “expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”.
Mais recente, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) estabeleceu regras antipáticas àquelas debatidas na proposta de diretiva do Parlamento Europeu, mas não tratou especificamente de direito autoral. O artigo 19, com efeito, estabelece que o provedor de aplicações de internet somente será responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial, não tomar providências para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente. Trata-se de norma usualmente invocada para remediar, por exemplo, a divulgação ilícita de imagens e vídeos relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade de usuários.
Portanto, eventual adequação sem ressalvas do quadro normativo brasileiro ao cenário europeu demandaria drástica mudança da postura legislativa recentemente adotada pelo Brasil, o que seria indesejável por comprometer a segurança jurídica que ampara todo setor. A título de ilustração e nos termos do Marco Civil da Internet, acaso haja notificação de usuários denunciando violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização, de imagens contendo nudez, a obrigação de o provedor de aplicações tornar indisponível o conteúdo fica condicionada à observância dos “limites técnicos do seu serviço”.
A proposta de diretiva europeia, por outro lado, prioriza a garantia de proteção aos titulares de direito sobre obras intelectuais e não demonstra preocupação acentuada com limitações técnicas dos serviços regulados ou com os impactos tecnológicos e econômicos decorrentes da necessidade de implementação das tecnologias de filtragem pelas plataformas de conteúdo gerado por terceiros, sendo esta uma das principais críticas atualmente difundidas.
Vê-se que o problema é complexo e promete discussões acaloradas nos âmbitos do Estado, da sociedade civil e do setor privado. Nada obstante, faz-se plenamente pertinente que o sistema normativo de direito autoral brasileiro seja modernizado, a fim de que restem específica e normativamente endereçadas as novas dinâmicas do mundo digitalizado. Até porque, atualmente, são interpretações tecidas pelo Judiciário que vêm acomodando a legislação autoral à internet, de que resulta a pronúncia de julgamentos tecnicamente controversos, como no caso do Recurso Especial 1.559.264/RJ, em que o Superior Tribunal de Justiça definiu a natureza jurídica das transmissões de dados realizadas por meio da tecnologia do streaming, estendendo, também para essa modalidade de utilização, o monopólio de arrecadação e distribuição de rendimentos detido pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).
A controvérsia merece ser endereçada de forma compatível com a sua complexidade, sob pena de que lutemos, irrefletidamente, as batalhas econômicas travadas por indústrias de intermediários de grandes proporções, que enxergam autores e criadores como apenas longínquo ponto às extremidades de complexas cadeias de arrecadação e distribuição de rendimentos de direito autoral.
Como visto, a controvérsia em torno da proposta de diretiva europeia compreende verdadeira guerra entre segmentos industriais que, em última instância, preocupam-se sobretudo com a rentabilidade de seus modelos de negócios. Na batalha, situa-se, de um lado, a indústria fonográfica, encabeçada por gigantescas associações de gravadoras que até os dias atuais dominam um mercado multimilionário que, aos poucos, vem se adaptado à internet graças à tecnologia do streaming. De outro, têm-se plataformas de atuação imperialista no contexto da internet que comprovadamente têm lucrado quantias impensáveis a partir da veiculação e disponibilização de obras intelectuais concebidas e produzidas por terceiros, sem repassar aos autores compensação justa pela exploração econômica de suas criações.
O aspecto mais relevante no contexto dessa discussão é que o destinatário real das normas protetivas concebidas pela proposta de diretiva europeia são artistas, autores, letristas, produtores e músicos, ou seja, indivíduos cuja vida profissional é inteiramente dedicada à criação e à disseminação de obras culturais. Apesar de essas pessoas participarem de uma indústria global e multimilionária, pouco ou nada recebem em contrapartida ao seu esforço criativo, o que compromete definitivamente sua subsistência e, consequentemente, desincentiva e inviabiliza a criação. A mudança legislativa é, portanto, necessária, e os temores relacionados ao suposto “fim da internet”, popularmente difundidos pelos últimos meses, não podem obscurecer a profundidade do problema, sob pena de consubstanciarem alarmismo injustificado, a ser propagandeado e fomentado por empresas atuantes no mercado digital tão somente para resguardar e preservar seus modelos de negócios lucrativos.
Categoria: Propriedade Intelectual
Por Simone Kafruni
Não é fácil ser um inventor reconhecido no Brasil. Para conseguir o registro de uma patente, já foram necessários, nos casos mais extremos, 14 anos. Hoje, apesar de o tempo médio estar em 5,8 anos, ainda é o país do atraso. Não tanto nos trâmites burocráticos, que têm evoluído bem desde o ano passado, mas, principalmente, em políticas públicas de educação, incentivo e valorização à inovação industrial, premissas básicas para criação de propriedade intelectual. Não à toa, 85% dos depósitos no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), autarquia que decide sobre patentes, são de não residentes, ou seja, de novidades criadas em outros países, que apenas solicitam o direito de exclusividade também no Brasil. O setor privado nacional participa muito pouco do processo de patentear invenções no país.
A diretora de Patentes do INPI, Liane Lage, reconhece que a inovação no Brasil está muito aquém do que deveria. “É preciso um trabalho para incentivar que os nacionais depositem mais pedidos, trabalhem com tecnologia, para que se faça a proteção adequada”, diz. A patente é um direito de exclusão, de impedir um terceiro de usar e explorar e vender a invenção. Esse direito, no mundo inteiro, por meio de acordo, é concedido por 20 anos a partir do depósito. No Brasil, como já se chegou a demorar 14 anos, o que reduziria o direito a apenas seis, foi criada uma exceção para garantir a extensão desse prazo. “O parágrafo único do artigo 40 da lei diz que a patente, após concedida, deve ter, no mínimo, 10 anos de existência. Se o INPI atrasar 11 anos, vai ter 21 e assim por diante”, explica.
Esse parágrafo chegou a ser usado em 100% dos pedidos no INPI, tal o acúmulo de estoque, o chamado backlog. Hoje, é utilizado em cerca de 30%, segundo Liane. Isso significa que quase um terço ainda demora mais de 10 anos para ser examinado. “Até o fim do ano, nosso objetivo é zerá-lo”, ressalta. No ano passado, foi criado o Plano de Combate ao Backlog, para agilizar a análise dos pedidos feitos até 2016. Em 24 de agosto deste ano, dos 149,9 mil depósitos que se encaixavam neste critério, restavam 96,4 mil. Porém, além do estoque, uma média de 28,9 mil depósitos são feitos por ano no INPI. Por isso, atualmente, 142 mil estão na fila.
A justificativa para o acúmulo, muito acima da média de outros países, de acordo com a diretora do INPI, é o histórico da autarquia. “Foi falta de estrutura, de investimento e de recursos humanos, de modo que havia um desbalanço entre o número de pedidos e a nossa capacidade de examiná-los.” O instituto tem 988 servidores, dos quais 310 examinadores.
Uma forma de agilizar, segundo Liane, foi seguir os processos feitos em escritórios do exterior. “Quando se faz um depósito em um país, geralmente, é feito em vários outros. Com nosso atraso, os outros já tinham examinado a patenteabilidade dos nacionais. Então, estamos dando celeridade a esses para acabar com o backlog”, promete Liane.
O INPI, também em 2019, iniciou um projeto de aperfeiçoamento das modalidades de trâmite prioritário, cujos exames demoram em torno de 13 meses. “Isso vai despressurizar o INPI. Muita gente tem pedidos feitos há muito tempo e nem sabe da existência da priorização”, alerta a diretora. Uma das prioridades é específica para a covid-19, mas pessoas físicas com mais idade ou deficiências físicas, microempresas e alguns setores, como startups e tecnologias verdes, também têm tramitação mais célere.
Especialistas confirmam que as recentes mudanças no INPI têm acelerado os processos. No entanto, o advogado Luciano Andrade Pinheiro, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, ressalta que a análise de patente é naturalmente demorada. “O INPI tem que fazer uma busca, verificar se existe alguma coisa já patenteada ou com pedido de registro pendente parecido com aquilo. Patente tem que ser novidade. Essa busca tem que ser criteriosa porque é feita no mundo inteiro”, explica.
Pinheiro destaca que os formulários são muito técnicos e, de fato, às vezes, um erro de digitação faz todo o processo voltar ao solicitante para ajustes. “Se não houver precisão absoluta na descrição, pode cair na semelhança de outros e perder a patente. Mas, hoje, existe uma rede de universidades aptas a auxiliar nos pedidos. A UnB (Universidade de Brasília) presta esse serviço”, aponta.
Resultados
O plano para reduzir os estoques do INPI começa a dar resultados, garante Fabrício Polido, sócio de Inovação e Tecnologia do L.O. Baptista Advogados, especialista em propriedade intelectual. “Além de tirar da fila os pedidos feitos até 2016, para colocá-los aptos a uma decisão final, há tratamentos diferenciados. Porém, o grande equívoco que se comete é simplesmente colocar o depósito lá. Se a patente não reúne os requisitos mínimos, não será concedida”, alerta.
O problema, de acordo com o especialista, deixou de ser o atraso no tempo de exame, mas na produção de inovação. “A maior parte dos pedidos é de multinacionais que usam o INPI para receber pelas patentes aqui. A origem da invenção não está no Brasil”, lamenta. Dos 15% de depósitos nacionais, que já são poucos, a maioria é de empresas públicas, como a Embrapa, laboratórios farmacêuticos e universidades. “Há baixa incidência de patentes nacionais de empresas privadas”, revela.
O quadro de atraso é reflexo da falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento que transformem a base de formação científica, tecnológica e inovação. “A grande falha é a ausência de política industrial e de investimentos públicos. Há pouca percepção da importância de buscar patentes. O Brasil demora para analisar e não tem nenhum estímulo para criar”, resume.
Com a adesão do Brasil, no fim de 2019, ao protocolo de Madri, que permite aceitar aqui marcas registradas em outros lugares, alguns processos devem avançar mais rapidamente daqui para frente, estima Marcelo Godke, sócio do escritório Godke Advogados. “No entanto, isso não será suficiente. Resolveremos o problema da morosidade, mas não estamos desenvolvendo tecnologia no Brasil. É preciso investir em educação básica para melhorar o acesso a carreiras como física, química e engenharia”, sustenta. “Hoje, há uma fuga de cérebros do país. Os gênios vão desenvolver tecnologias em outros países, porque, aqui, não há ambiente.”
“A maior parte dos pedidos é de multinacionais que usam o INPI para receber pelas patentes aqui. A origem da invenção não está no Brasil”
Fabrício Polido, sócio de Inovação e Tecnologia do L.O. Baptista Advogados
Indicação geográfica é pouco usada
Além de registrar poucas invenções, o Brasil não explora todo o seu potencial nas indicações geográficas (IG), usadas para identificar e proteger a origem de produtos e serviços nos casos em que o local tenha se tornado conhecido por alguma qualidade específica. O exemplo mais conhecido talvez seja o champagne, espumante que só pode levar esse nome se tiver sido produzido naquela região francesa. No país, temos muitos produtos emblemáticos, como a cachaça, o queijo da Serra da Canastra, de Minas Gerais, e os vinhos do Vale do Vinhedos, do Rio Grande do Sul.
Porém, mesmo os produtos mais reconhecidos exploram pouco a indicação geográfica, alerta João Emílio Gonçalves, gerente executivo de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “No México, a indicação geográfica da tequila é protegida em 42 países. A cachaça do Brasil, em apenas quatro. No entanto, se considerar o tamanho, a diversidade de clima, relevo e cultura, o país tem um potencial enorme”, assinala. Atualmente, o país contabiliza 69 indicações geográficas.
A proteção da IG, também conferida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), garante agregação de valor e competitividade ao produto. De janeiro até agosto de 2020, o órgão recebeu 10 pedidos de registro de novas IGs, quase o total de 2019, que teve 11 solicitações. “É um avanço. Mas, depois do reconhecimento, vem a parte mais complexa, que é a melhoria da produção e do marketing para gerar uma percepção de qualidade”, destaca.
Para impulsionar as indicações geográficas, a CNI desenvolve uma série de ações, entre elas, a divulgação do potencial de algumas regiões. O material mais recente ressalta três das mais antigas indicações do país: a cachaça, bebida que nasceu quase junto ao Brasil; o cacau do sul da Bahia e sua revolução feita de chocolate; e a erva-mate de São Matheus do Sul, que, de tão importante, bancou até a independência do Paraná do estado de São Paulo.
Consulta pública
Em 12 de setembro, termina a consulta pública para a elaboração da Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual. Especialista em inovação, Fabrício Polido teme que falte diálogo para articular política industrial, digital, científica e tecnológica. “O modelo de patentes, com monopólio de 20 anos, na era digital, em que as tecnologias ficam obsoletas rapidamente, é ultrapassado”, alerta. Ele também achou o texto do documento em análise muito vago e o período de consulta, de apenas 20 dias, exíguo. “É preciso que haja uma construção coletiva do sistema nacional de propriedade intelectual.”
Fonte: Correio Braziliense
Por Beatriz Olivon
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, com sede em Brasília, vai definir se o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) pode negar pedido de registro de marca por “atentado à moral”. O caso a ser analisado é da marca “4evinte” – número que faz referência ao consumo de maconha. O pedido foi apresentado por uma tabacaria
Há poucos julgados sobre o assunto, nenhum ainda dos tribunais superiores, segundo advogados. O atentado à moral está previsto na Lei da Propriedade Intelectual (nº 9.279, de 1996). O artigo 124, no parágrafo III, impede o registro de expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia.
O Manual de Marcas do INPI exemplifica o artigo com tentativas de registro de uma marca com a suástica, por exemplo. Ou um nome de santo para um produto que seja ofensivo ou ofereça provocação à religião. Segundo o manual, a avaliação deve levar em conta as características do mercado do produto ou serviço, como o tipo de público-alvo, canais de distribuição, comercialização e publicidade dos produtos.
Na prática, porém, há espaço para a subjetividade, segundo advogados. Nomes semelhantes já foram registrados pelo INPI. Planet Hemp e Skank, como nomes de banda, Lança Perfume no segmento de moda, Devassa para bebidas, além de Ecstasy e Vagabundos.
Para uma tabacaria, o órgão concedeu, no ano passado, o registro por dez anos da marca “Cannabistrô Head Shop”. No mesmo ano, outra tabacaria, chamada “Ultra 420”, também conseguiu o aval do INPI.
Na ação a ser enfrentada pelo TRF da 1ª Região, a empresa pede a suspensão de todos os processos de registro relacionados à expressão “4evinte” ou semelhantes, relacionados ao mesmo ramo de atividade, até o julgamento da causa. O termo seria uma referência à 16 horas e 20 minutos, horário em que estudantes consumiam maconha na Califórnia (EUA), e também a um código policial referente ao uso da droga.
A empresa existe desde 2008, mas utilizava outro nome. Em 2013, pediu ao INPI o registro da nova marca. De acordo com o advogado da loja, Luciano Andrade Pinheiro, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, o critério de atentado à moral é subjetivo.
O pedido feito pela tabacaria foi negado pelo INPI sob o argumento de que “4evinte” é uma expressão usada nos Estados Unidos que faz referência ao consumo de maconha. “Não pode ser subjetivo dessa forma, afinal é um número e essa referência não é amplamente conhecida. Para falar em moral e bons costumes tem que considerar a sociedade como um todo”,
Ainda segundo o advogado, a tabacaria só vende produtos lícitos e a marca só mostra criatividade. “Não tem nada contra a moral e os bons costumes. É uma referência criativa. A Justiça não pode tolher a criatividade.”
Para Gustavo Piva de Andrade, sócio do escritório Dannemann Siemsen, é uma questão totalmente subjetiva o que pode ser considerado contrário à moral e aos bons costumes. “O que é imoral para uma pessoa pode não ser para outra. Posso estar em um meio em que uma palavra é comum e em outro ter cunho depreciativo. O que era imoral há 20 anos hoje não é mais”, diz.
Nos Estados Unidos, a Suprema Corte autorizou em 2017 o registro da marca “The Slants” (termo pejorativo para asiáticos) por uma banda de asiáticos. A defesa alegou que não seria usada com cunho depreciativo, mas para homenagear esse público porque eles eram descendentes de asiáticos.
“É a mesma discussão que existe no Brasil. Se isso chegar ao STF [Supremo Tribunal Federal], os mesmos argumentos poderiam ser usados, aplicando a liberdade de expressão”, afirma Andrade.
Esse tipo de indeferimento no INPI é raro, acrescenta. “Em 20 anos que trabalho na área, nunca enfrentei um caso assim no INPI”, diz o advogado. De acordo com ele, ainda não há decisão conhecida do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto. Mas por causa dos direitos envolvidos, afirma, o tema poderia ser enfrentado nos tribunais superiores.
Na segunda instância, há precedente contrário no Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro. Em julho, a Corte negou o pedido de registro das marcas “Brazilian Cannabis” e “Brazillian Marihuana”. A tese do atentado à moral foi utilizada pelo INPI. Já o Judiciário entendeu que não têm nenhuma distintividade, ou seja, usam termos genéricos que designam características de produtos a que se referem – cigarros sem tabaco e ervas, para fins medicinais, derivados de cannabis. A ação (nº 5030178-42.2018.4.02.5101) transitou em julgado.
No Paraná, a ofensa à moral levou a 1ª Vara Federal de Londrina a manter a negativa do INPI de registrar a marca “Beck” para cigarros. O termo foi considerado uma referência à maconha. Porém, segundo a empresa, seria uma homenagem ao sobrenome do avô do fundador (processo nº 5000623-46.2018.4.04.7001).
Flávia Tremura, sócia do escritório Kasznar Leonardos Propriedade Intelectual, afirma que o INPI costuma negar registros ligados à maconha e há poucas decisões judiciais sobre o assunto. Em 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a regulamentação do uso da maconha medicinal no Brasil, acrescenta, o que passou a permitir registros ligados à substância.
O artigo 124, diz a advogada, é bem amplo e, apesar de não haver determinação expressa, o INPI costuma enquadrar nele nomes que façam referência a ilícitos. “É super subjetivo e tem margem para questionar no Judiciário em tese. Mas como é muito caro, uma empresa pequena acaba nem recorrendo à Justiça e usa a marca sem registrar.”
Fonte: Portal Intelectual
Por Luciano Andrade Pinheiro
A Constituição Federal possui uma norma que tem tido pouca atenção dos atores envolvidos no processo de inovação tecnológica, que se beneficiam das políticas públicas de incentivo ao setor. Trata-se do § 4ª do art. 218.
Da leitura desse artigo e parágrafo, é possível notar que a política pública estatal de apoio e estímulo a empresas que inovam é fincada em dois pilares constitucionais: o primeiro é que a tecnologia seja adequada ao País com formação e aperfeiçoamento de recursos humanos. O segundo, que está sendo esquecido, leva a crer que, para o apoio estatal, é necessário que a empresa de inovação e pesquisa assegure uma participação ao seu empregado, desvinculada do salário. Pelo texto constitucional, então, para que uma empresa privada possa usufruir do estímulo do Estado para a inovação, necessariamente essa mesma empresa precisa garantir uma participação aos seus empregados dos benefícios advindos com a inovação tecnológica.
Há alguns mecanismos de estímulo estatal à inovação para fazer cumprir a primeira parte do § 4º do art. 218 da Constituição Federal. São exemplos, os usos do poder de compra do estado direcionado às empresas que empreendem com inovação, a diminuição da carga tributária, financiamento público em pesquisa entre outros. É preciso pontuar, entretanto, que o próprio regime de propriedade industrial, com proteção de marcas, patentes, desenhos industriais e modelos de utilidade, é uma forma de estímulo estatal à inovação tecnológica.
A propriedade industrial não é um direito natural, mas um privilégio concedido pelo Estado. O Estado concede ao particular, por meio de regras legais, um privilégio sobre o fruto do pensamento em troca de, por exemplo, publicidade do invento e limitação no tempo do exercício desse direito sobre o invento.
O fato de a norma Constitucional gerar a vinculação do estímulo estatal a uma participação do empregado nos frutos da inovação é relevante. A Constituição Federal, como sabido, é a Lei maior que rege o Estado e dela derivam as obrigações dos poderes constituídos. O executivo dentro dessa perspectiva, só pode estimular as empresas privadas, das mais variadas formas, se as empresas criarem programas de participação dos seus empregados pelos benefícios econômicos da inovação. O legislativo, por seu turno, ao editar a lei mencionada no § 4º da Constituição Federal, deveria assegurar que as modalidades de estímulo previstas fossem acompanhadas de uma forma de participação dos empregados, mas não o fez. Nem a Lei de Inovação (13.243/2016) ou a chamada Lei do Bem (11.196/2005), nem mesmo a Lei de Propriedade Industrial (9.279/96) trouxeram o empregado inventor como beneficiário direto.
Com relação à Lei de Propriedade Industrial ainda há uma agravante. A norma que menciona o empregado contratado como inventor tem uma diretriz oposta àquela que está no texto constitucional. Exclui, como regra geral, o empregado da participação dos benefícios econômicos do invento, dizendo que pertence à empresa contratante a patente e restringindo ao salário já pago a retribuição do empregado.
O que estamos pontuando para efeito de reflexão é que toda a legislação infraconstitucional que rege o sistema de inovação e estímulo não tem preocupação com o empregado inventor, esquecendo-se inclusive que a invenção ou o processo inventivo nasce da imaginação e criatividade de alguém. Esquecem também que a Constituição Brasileira está redigida com olhos ao empregado inventor e assim deveriam ser as leis ordinárias.
Fonte: Portal Intelectual
Por Ciro Campos
Jogadores e ex-jogadores de futebol têm um novo adversário em comum hoje em dia: os jogos de videogame. Atualmente correm somente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, mais de 70 processos movidos contra os dois principais simuladores da modalidade, o FIFA e o Pro Evolution Soccer (PES). As ações são todas por uso indevido da imagem nos jogos virtuais e também por danos morais. Os atletas alegam que não assinaram contratos para autorizarem a aparição de nomes, figuras e características técnicas nos produtos.
O imbróglio se explica pelo artigo 87-A da Lei Pelé, de 1998, que determina que a imagem de cada atleta só poderá ser explorada em caso de um contrato específico para essa finalidade. Por causa dessa determinação, teve início a enxurrada de processos nos últimos anos contra as desenvolvedoras de jogos virtuais. O Brasil é uma complexa exceção no mundo do futebol, pois obriga as empresas a negociarem com a CBF para utilizar o nome do Brasileirão, com os clubes para reproduzir o nome, os estádios e os uniformes e torna necessário também fechar acordos com cada um dos atletas. Em outros países, cabe à liga local centralizar o licenciamento dos direitos de exploração, em um formato que facilita a produção dos jogos virtuais.
O Estadão buscou informações sobre os processos na plataforma de busca do STJ e do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os dados são públicos. O valor inicial das ações de indenização é de em média R$ 150 mil. Entre os nomes que têm processos em andamento contra as desenvolvedoras de jogos estão atletas em atividade na Série A, casos de Victor Ferraz e Vanderlei, do Grêmio, Marcelo Lomba, do Inter, e Wellington Paulista, do Fortaleza. Há outros nomes já aposentados, entre eles o ex-volante Vampeta e o ex-atacante Iarley.
Porém, o volume de processos já movidos contra as empresas desenvolvedoras de jogos é bem maior. O advogado de todas as mais de 70 ações de atletas que tramitam no STJ, Marcel Bragança Retto conta que desde 2014 já atuou em cerca de 250 casos do tipo. Segundo ele, os processos começaram quando os jogadores e seus representantes descobriram que foram retratados nos jogos virtuais sem a devida autorização contratual.
“Esses jogos de videogame além de exporem a imagem do jogador coletivamente, permite que segregue a imagem com as minúcias sobre as habilidade de cada um, tanto nos aspectos físicos como em atributos esportivos”, explicou. De acordo com o advogado, quase todas as ações movidas até hoje tiveram a vitória dos esportistas porque as desenvolvedoras dos jogos virtuais deveriam ter feito com cada atleta retratado um contrato específico para aparição no videogame.
Boa parte dos processos foi movida por ex-atletas porque alguns jogos lançados em anos anteriores continuam no mercado. “Nós defendemos que pelo fato de os jogos ainda estarem circulando e à venda em grandes plataformas, o dano à imagem continua. Quem explora a imagem de um atleta com um aspecto comercial e mercantil, vai ter de indenizar”, disse o advogado.
A empresa responsável pelo PES, a Konami, disse à reportagem que não comenta assuntos que estão na Justiça. A EA Sports, que produz a série FIFA, não retornou o contato.
Um dos poucos nomes do futebol a tratar o caso publicamente foi o ex-goleiro Marcos, do Palmeiras. Em janeiro desde ano, ele gravou um vídeo nas redes sociais após ganhar a ação movida contra a série FIFA por aparições em jogos virtuais de 2005 a 2012. “Nunca pedi para me colocar no jogo. Joga com Buffon, Neuer, com os caras lá que eles pagam um monte de dinheiro. Quer tirar meu nome, pode tirar. Só que se colocar meu nome tem de pagar”, disse na ocasião.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, as reclamações dos atletas são coerentes e têm como causa central não existir no Brasil uma liga nacional nos moldes das existentes na Europa e nos esportes americanos. Essas organizações concentram coletivamente os direitos de exploração comercial, o que facilita a produção de contratos de direitos de imagem para jogos virtuais.
“A empresa do vídeo deveria pedir autorização aos atletas, mas não pediu e ainda fez disso um uso que prejudicou a imagem e a moral a quem foi retratado no videogame”, disse o advogado especialista em propriedade intelectual e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, Luciano Andrade Pinheiro. “A inexistência de uma liga nacional de futebol é historicamente um dos primeiros entraves, pois faz com que as empresas tenham que negociar diretamente com cada clube, e isso é sempre complexo”, afirmou o advogado especialista em direito desportivo Eduardo Carlezzo.
Ex-superintendente de marketing do Corinthians, Gustavo Herbetta chegou a atuar no passado em negociações com desenvolvedoras de jogos e avalia que outro problema existente no Brasil é a forma como os direitos de imagem de atletas são utilizados. “Esses contratos surgiram não para regular o uso da imagem do atleta, mas sim como uma forma de os clubes evitarem tributos trabalhistas”, disse o fundador da fundador da empresa de marketing esportivo Lmid.
Fonte: Estadão
O Plenário do Supremo Tribunal Federal deve julgar nesta quarta-feira (7/4) se o prazo de patentes no Brasil pode ser prorrogado automaticamente caso o trâmite de aprovação delas demore muito tempo.
A análise do processo estava prevista para ocorrer na sessão do dia 26 de maio, mas o relator do processo, ministro Dias Toffoli, solicitou à Presidência do STF que o julgamento fosse antecipado. Segundo o ministro, isso seria necessário em razão de um pedido de medida cautelar apresentado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.
Em petição apresentada nos autos do processo, o procurador-geral argumentou que, embora não tenha sido formulado na ação pedido de liminar, “a atual conjuntura sanitária, decorrente da epidemia de Covid-19, constitui fato superveniente que reclama e justifica a imediata concessão da tutela provisória de urgência para o fim de serem suspensos os efeitos da norma impugnada”.
Argumentos da PGR
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.529, a Procuradoria-Geral da República questiona o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996). O dispositivo estabelece que De acordo com o prazo de vigência da patente de invenção não pode ser inferior a dez anos, e o da patente de modelo de utilidade não pode ser inferior a sete anos, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.
A PGR argumenta que o parágrafo único do artigo 40 viola o princípio da temporariedade da proteção patentária, previsto no inciso XXIX do artigo 5º da Constituição. Essa regra constitucional assegura aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.
Para a PGR, ao deixar indeterminado o prazo da patente, o dispositivo questionado gera “forte lesão a direitos sociais e à ordem econômica” por não permitir aos demais interessados na exploração da criação industrial prever e programar o início de suas atividades. Ainda segundo a PGR, o dispositivo torna o consumidor “refém de preços e produtos definidos pelo detentor do monopólio, sem perspectiva de quando terá acesso a novas possibilidades”. Assim, sustenta que a medida afronta a livre concorrência, a segurança jurídica, a defesa do consumidor, o princípio da eficiência, bem como a duração razoável do processo.
Impacto em remédios
Um dos principais setores afetados é o farmacêutico, o que atinge diretamente o Sistema único de Saúde (SUS), responsável por adquirir medicamentos para distribuir em sua rede de atendimento. Segundo estudos, a União poderia economizar bilhões caso patentes que foram prorrogadas já tivessem expirado, permitindo a produção de genéricos para atender a rede SUS. Por lei, os genéricos têm que ser 35% mais baratos que as versões originais.
Conforme dados do INPI, 96% das patentes de medicamentos concedidas no Brasil entre 2000 e 2016 tiveram incidência do parágrafo único do artigo 40. Hoje há no país cerca de 60 medicamentos com patentes estendidas em razão do dispositivo. A maior parte desses remédios são biofármacos.
O debate, que envolve vários setores da economia, pode reduzir os gastos do SUS e os preços de medicamentos, inclusive daqueles que auxiliam no tratamento das sequelas da Covid em um dos momentos mais críticos da pandemia no país.
Estudo da GO Associados calcula que o SUS economizaria R$ 3 bilhões se não liberasse a expansão do prazo das patentes de remédios por mais de 20 anos. O valor seria suficiente para pagar 14,3 mil respiradores e 1,3 milhão de diárias de leitos de UTI.
Pela legislação internacional, da qual o Brasil é signatário, o prazo de duração de patentes considerado razoável é de 20 anos, mas no Brasil esse mecanismo de extensão tem levado patentes a perdurarem por até 30 anos. Para a PGR, essa prorrogação automática, que não tem paralelo em nenhum outro país do mundo, fere direitos essenciais como o de livre-concorrência, os direitos do consumidor e até a isonomia, uma vez que garante um benefício excessivo aos detentores de patente.
O Tribunal de Contas da União, em julgamento no ano passado, também reconheceu que a prorrogação automática das patentes não tem paralelo em nenhum país do mundo e que poderia trazer impactos maléficos para a aquisição de medicamentos do SUS e recomendou ao governo federal que reveja a legislação.
Opiniões de advogados
Advogados divergem sobre a constitucionalidade do artigo 40, parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial.
O advogado João Carlos Banhos Velloso, sócio da Advocacia Velloso, concorda com os argumentos da procuradoria. Para ele, o dispositivo deve ser declarado inconstitucional porque fere, sobretudo, o princípio da proporcionalidade e razoabilidade. Além disso, o especialista alerta sobre como o dispositivo afeta na produção de insumos no combate à epidemia.
“Com tempo extra garantido pelo parágrafo único à patente, fica adiado o ingresso de diversos fármacos relacionados à Covid-19 em domínio público”, alerta Velloso. O advogado explica que a norma brasileira estende o prazo de vigência da proteção patentária para além do prazo padrão mundial.
“Os titulares de patentes afirmam que o prazo extra serviria para compensar o tempo de espera para a concessão das patentes pelo INPI. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro garante, a partir do depósito do pedido, o direito de ceder o pedido a terceiros, firmar contratos de licenças e obter indenização generosa pela exploração indevida de seus inventos”, afirma o especialista, que explica que o dispositivo questionado, então, não possui genuíno caráter compensatório, “mas sim de privilégio adicional sem qualquer fundamento.”
“Espera-se que o Supremo Tribunal Federal reconheça a invalidade do parágrafo único e elimine inclusive o prazo adicional já concedido às patentes”, ressalta.
O advogado Marcus Vinicius Vita, sócio de Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados e representante do grupo FarmaBrasil, amicus curiae no processo, faz coro aos argumentos. “A norma brasileira não encontra paralelo em nenhuma outra jurisdição no mundo. A imprevisibilidade do tempo de duração da patente fere o princípio da temporariedade, do artigo 5º, XXIX, e por isso é inconstitucional. O constituinte brasileiro buscou restringir a patente, por se tratar de monopólio, e não alargá-la, como feito pelo parágrafo único do artigo 40.”
Já para o advogado Luciano Andrade Pinheiro, especialista em propriedade intelectual e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, o dispositivo é legal porque respeita um prazo determinado de vigência da patente. Para ele, o tema deveria ser discutido pelos parlamentares, e não pelos ministros do STF.
“O Congresso Nacional é o foro adequado para a discussão desse tema que envolve interesses de diversos setores, inclusive mecanismos internacionais de proteção patentária. O Supremo, a meu ver, deveria deixar essa discussão para o Congresso”, afirma.
Pinheiro ainda ressalta que o investimento em desenvolvimento tecnológico é alto, e a patente é uma proteção mínima dos riscos inerentes. “A declaração de inconstitucionalidade deste dispositivo trará efeitos deletérios a todas as áreas de pesquisa e inovação, inclusive a de fármacos”, destaca.
Para o professor de Direito Comercial da USP Calixto Salomão Filho, a legislação brasileira cria uma situação sui generis e que beneficia empresas que manobram para postergar a análise das patentes no INPI.
“O que parágrafo único do artigo 40 faz ao dar um prazo excessivamente longo e indeterminado é exatamente estimular o green landing, ou seja, o sujeito que, ao invés de investir em outra inovação, fica atrasando o processo de registro. Nenhum país do mundo admite isso”, afirmou o professor.
Dados do INPI
Para subsidiar o julgamento, o ministro Dias Toffoli enviou em março ao INPI um pedido de informações, com 13 questionamentos relacionados à infraestrutura tecnológica e humana da autarquia e ao estoque de pedidos de patentes pendentes de exame técnico ou de conclusão quanto ao deferimento ou indeferimento.
Em 22 de março, o INPI apresentou as informações. De forma a contribuir com sistema de patentes brasileiro, o escritório Licks Attorneys conduziu estudos técnicos independentes para apurar as informações solicitadas pelo Supremo ao INPI.
A falta de técnica que chama atenção em diversas respostas é sobre o próprio prazo de vigência. Os dados comprovam que não há patente de invenção em vigor há mais de 20 anos no Brasil entre as 120.842 patentes já concedias pelo INPI desde que a lei entrou em vigor, em 1997. A autarquia, segundo o escritório, erra ao apresentar os dados sem a capacidade de considerar essa premissa básica inafastável da aplicação da lei.
Há outras falhas e omissões nas respostas apresentadas pelo INPI ao Supremo, segundo o Licks. “Percebe-se que, muitas vezes, em vez de responder com as informações solicitadas, o INPI fez uma projeção para o futuro – sem informar o atual cenário, sem responder às perguntras essenciais para a compreensão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. As respostas do INPI são baseadas em fatos que poderão ocorrer, ou não, até o dia 31 de dezembro de 2021”, diz a banca.
A autarquia informa que a redução considerável no tempo de pendência de um pedido de patente – ou seja, o tempo levado para a decisão de um pedido – é fruto dos esforços realizados com o Plano de Combate ao Backlog (iniciado em 2019), que determinou a diminuição do esforço empregado pelos examinadores.
Conforme o escritório, houve uma redução no número de casos pendentes, uma vez que, desde 2019, mais de 24 mil casos tiveram seu deferimento ou indeferimento publicados. No entanto, ressalta o Licks, a maior parte dessa redução se deveu ao fato de os pedidos terem sido abandonados por seus requerentes devido à demora em sua análise e à obsolescência das tecnologias reivindicadas. A firma também destaca que ainda há 53 mil pedidos depositados até 31 de dezembro de 2016 que estão pendentes de decisão.
De acordo com a estatística feita pelo Licks Attorneys, ao considerar o volume de pedidos abandonados e a produção do INPI desde o início do plano, a autarquia só atingiria sua meta de resolução de 80% do backlog em janeiro de 2025. Mesmo com uma pendência de mais de 53 mil casos, o INPI publicou, em 30 de março de 2021, a Portaria 21/2021, estabelecendo uma nova etapa do Plano: agora, os pedidos depositados em 2017 também poderão receber exigências preliminares.
Quanto ao tema da Covid-19, a resposta do Licks corrobora a conclusão do INPI de que a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial em nada impacta o enfrentamento da epidemia.
“De um total de 54 substâncias usadas no tratamento dos sintomas da Covid-19, somente cinco estão sob proteção patentária concedida com o prazo do parágrafo único (dez anos a partir da data de concessão da patente). A maioria destes medicamentos é antiga, o que pode ser constatado pela data da aprovação do primeiro registro pela Anvisa, e, por isso, já possuem diversas cópias aprovadas no mercado. A invalidação de mais de 31 mil patentes que hoje vigoram com base no parágrafo único não contribuirá para o combate à Covid-19 e gerará insegurança jurídica, afugentando ainda mais os investidores de novas tecnologias no Brasil”, avalia a banca.
Fonte: Conjur
BRASÍLIA (Reuters) – O Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu na pauta desta quarta-feira uma ação movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que tenta acabar com a extensão do prazo de vigência de patentes, caso esse que, segundo fontes ouvidas pela Reuters, poderá ter repercussão direta no custo do tratamento contra Covid-19 em meio ao pior momento da pandemia no Brasil.
O processo foi movido pela PGR ao Supremo em 2016 e contesta dispositivos da Lei de Propriedade Industrial por entender que a norma concederia um prazo exacerbado para a proteção de patentes, ferindo o interesse social, desenvolvimento tecnológico e econômico no país.
Em fevereiro passado, o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, reforçou a ação e apresentou um pedido ao Supremo de concessão de liminar destacando a atual conjuntura sanitária decorrente da epidemia de Covid-19.
“O perigo na demora em se obter o provimento jurisdicional… decorre de fato superveniente consistente na grave crise sanitária ocasionada pela epidemia de Covid-19, uma vez o disposto no art. 40, parágrafo único, da LPI impacta diretamente no direito fundamental à saúde, haja vista que, enquanto não expirada a vigência de patentes de grandes laboratórios, a indústria farmacêutica ficará impedida de produzir medicamentos genéricos contra o novo coronavírus e suas atuais e futuras variantes” destacou Aras.
O julgamento tem impacto em uma série de setores no país que vão de empresas, universidades e centro de pesquisa, agronegócios e gastos governamentais.
Defensores da manutenção da medida, entretanto, argumentam que a medida visa a garantir um prazo razoável para se usufruir a exclusividade da respectiva invenção diante do que alegam ser a demora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) de avalizar uma patente.
Uma fonte do STF relatou à Reuters que o julgamento é complicado, tendo bons argumentos para os dois lados e com forte impacto econômico por trás. Nos bastidores, segundo a fonte, está em discussão que a mudança só valeria para novas patentes registradas, como em casos de remédios, mas para os antigos e em curso não. Disse ainda que um eventual pedido de vista não está descartado para ocorrer.
O julgamento das patentes só vai ocorrer após a análise pelo plenário do Supremo das liminares que liberaram e barraram a abertura de templos religiosos dadas nos últimos dias por ministros da corte.
ACESSÍVEL
O Movimento Medicamento Acessível, que une representantes da indústria farmacêutica e associações de pacientes, afirmou que a legislação brasileira assegura até 20 anos de vigência de patentes, em linha com práticas mundiais, mas a brecha na Lei de Propriedade permite que esse prazo seja estendido por mais 10 anos.
“A extensão da exclusividade na produção de fármacos gera incerteza jurídica, infla preços e diminui a oferta de produtos no mercado, além de ser inconstitucional e ir contra práticas internacionais. Esperamos a compreensão dos ministros do STF em relação a estes pontos, que afetam toda a população brasileira”, argumenta Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil, em comunicado.
Segundo a entidade, um exemplo do que consideram como extensão arbitrária de patente é um medicamento usado na intubação de pacientes com Covid-19. O remédio, afirmou, é vendido por 4 mil reais, mas seu custo poderia cair pela metade se a prorrogação prevista na norma questionada já tivesse sido revogada.
O advogado João Carlos Banhos Velloso, sócio da Advocacia Velloso, disse que a norma estende, sem qualquer necessidade real, o prazo da vigência da proteção intelectual de invenções, adiando a entrada em domínio público de diversas patentes.
“Vários medicamentos úteis ao tratamento da Covid-19 já estariam em domínio público se não fosse a regra constante do parágrafo único (da lei). Citem-se, exemplificativamente, a rivaroxabana, anticoagulante recomendado pela OMS para o tratamento da doença, cuja patente, não fosse a extensão, teria expirado em 11/12/2020; o sugammadex, integrante indispensável do “kit intubação” e, por isso mesmo, já em falta nos hospitais; o rendesivir, antiviral liberado para uso no tratamento do coronavírus pela FDA estadunidense e, em seguida, pela própria Anvisa, dentre vários outros”, afirmou.
Para o advogado, a reversão da norma permitirá que os medicamentos sejam oferecidos a preços menores, tanto para os consumidores quanto para o Sistema Único de Saúde.
Por outro lado, o advogado Luciano Andrade Pinheiro, especialista em propriedade intelectual e sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados, entende que o dispositivo não é inconstitucional porque respeita um prazo determinado de vigência da patente.
“O Congresso Nacional é o foro adequado para a discussão desse tema, que envolve interesses de diversos setores, inclusive mecanismos internacionais de proteção patentária. O Supremo, a meu ver, deveria deixar essa discussão para o Congresso”, avaliou.
Segundo Pinheiro, o investimento em desenvolvimento tecnológico é alto e a patente é uma proteção mínima dos riscos inerentes. Para ele, uma derrubada da norma traria “efeitos deletérios a todas as áreas de pesquisa e inovação, inclusive a de fármacos”.
O advogado disse ainda que a PGR usou o argumento da Covid para pedir o julgamento célere, mas não há efetiva demonstração de que há medicamentos para tratamento do vírus seriam atingidos com a perda dos direitos de exclusividade por parte dos titulares.
“Toda patente é um monopólio. O titular tem o direito exclusivo de usar. O sistema de propriedade intelectual funciona assim mesmo. Ele existe com um propósito que é garantir um retorno para aquele que investe em pesquisa e desenvolvimento”, disse.
“O prazo não é de 30 anos, como diz o artigo. Isso é uma questão política. Se optarmos por quebrar patentes ou diminuir o prazo delas, temos que estar preparados com a reação da indústria em não querer mais investir porque pode passar a não ter recompensa”, concluiu.
Fonte: IstoÉ Dinheiro
No dia em que o Brasil ultrapassou a marca de mais de 340 mil mortos pelo novo coronavírus, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, decidiu nesta quarta-feira (7) suspender um artigo da Lei de Propriedade Industrial que prevê a prorrogação do prazo de patentes farmacêuticas. O entendimento do ministro, que atende a pedido formulado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), atinge apenas patentes relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos materiais de uso em saúde. A decisão não tem efeitos retroativos e será analisada pelo plenário na próxima semana.
Atualmente, a legislação prevê que as patentes de invenções terão o prazo prorrogado automaticamente caso demorem dez anos ou mais para serem aprovadas pelo INPI, órgão responsável pela análise de pedidos de patentes. De acordo com a PGR, a norma é ilegal porque garante um benefício excessivo aos detentores de patentes e prejudica a livre concorrência. Na avaliação do ministro, na situação específica das patentes do uso em saúde, o interesse social “milita em favor da plena e imediata superação da norma”.
“O enfrentamento de uma crise de tamanha magnitude envolve a gestão de recursos escassos de diversas categorias , não somente de medicamentos com possível indicação para o tratamento da doença. A pressão sobre os sistemas de saúde aumentou de forma global, elevando a demanda por insumos em toda a cadeia de atendimento, como por respiradores pulmonares, equipamentos de proteção individual, fármacos para amenizar os sintomas da doença e para o tratamento de suas complicações, substâncias destinadas à sedação de pacientes entubados, apenas para citar alguns exemplos”, escreveu Toffoli.
“Assim, a pandemia evidenciou a necessidade premente de investimentos em saúde pública, pressionando ainda mais pelo gasto racional de recursos públicos na área e demandando a adaptação de estruturas, a contratação de profissionais e a aquisição de insumos, materiais hospitalares, vacinas e medicamentos, no intuito de mitigar os efeitos da calamidade no país”, acrescentou.
Em uma decisão de 86 páginas, o ministro ressaltou que está assegurada a vigência das patentes por 20 anos (invenção) e 15 anos (modelo de utilidade), contados das datas dos respectivos depósitos. De acordo com a lei de 1996, patentes têm prazo de 15 anos a 20 anos, tempo contado a partir da data do pedido feito ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Depois desse período, podem ser feitas “cópias” de medicamentos, equipamentos e outras invenções livremente.
A polêmica, porém, está em torno de uma regra da mesma lei que determina que o prazo de vigência da patente não será inferior a dez anos, no caso de invenções, e de sete anos para modelos de utilidade (atualizações de algo já existente), prazo contado a partir da concessão pelo Inpi. Como não há prazo para que o instituto conceda a patente, não há como saber quando a proteção cairá e muitas invenções acabam protegidas para além de duas décadas, prazo padrão no resto do mundo.
“Considerando que o parágrafo único do art. 40 da LPI está vigente há 25 anos e já produziu amplos efeitos, por razões de segurança jurídica e excepcional interesse social, proponho a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, conferindo a ela efeito ex nunc, ou seja, a partir da publicação da ata deste julgamento”, ressaltou Toffoli.
O presidente da FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, elogiou a decisão do ministro. “A liminar corrige uma distorção na legislação e é um importante avanço, com certeza. Espero agora que o plenário confirme essa decisão, o que vai facilitar a competição no setor farmacêutico e aumentar o acesso da população a medicamentos modernos a preços mais baixos”, disse.
Para o advogado Luciano Andrade Pinheiro, especialista em propriedade intelectual, é “incompreensível” que a liminar tenha sido dada apenas para os fármacos. “Quando a lei é inconstitucional ela o é para todos, não para um setor específico. O efeito prático dessa decisão é ainda uma incógnita para produtos e processos adotados no tratamento da covid. Como ela só tem efeito daqui para a frente, não se aplicaria as patentes que hoje estão usufruindo do prazo descrito na norma declarada inconstitucional”, comentou.
Medicamentos
Ao pedir a liminar ao STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, alegou que a medida é essencial para a contenção da Covid-19 no País, citando o caso de um medicamento que vem sendo testado para combater a doença e que teve a sua patente renovada recentemente. “Há, inclusive, fórmula fabricada com exclusividade por laboratório japonês (favipiravir), cuja patente já deveria ter expirado no Brasil, mas foi estendida até 2023, e que está em fase de estudos científicos sobre os potenciais efeitos contra o novo coronavírus”, afirmou o chefe do Ministério Público Federal.
“Enquanto não expirada a vigência de patentes de grandes laboratórios, a indústria farmacêutica ficará impedida de produzir medicamentos genéricos contra o novo coronavírus e suas atuais e futuras variantes”, argumentou Aras.
No pedido de liminar, Aras citou pelo menos 74 medicamentos que tiveram prorrogação de prazo com fundamento nesse dispositivo da lei, como medicamentos para o tratamento de câncer, HIV, diabetes e hepatites virais. É o caso, por exemplo, do medicamento Victoza (liraglutida), utilizado no tratamento de diabetes tipo 2. O pedido de patente foi feito em 1997, mas a concessão pelo INPI só se deu 20 anos depois, em 2017. Com a regra que determina os 10 anos de vigência a partir da concessão, a patente desse medicamento só cairá em 2027.
Segundo a PGR, um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) identificou que entre 2014 e 2018 o governo federal gastou R$ 10,6 bilhões, ou R$ 1,9 bilhão ao ano, com nove medicamentos que teriam a patente expirada entre 2010 e 2019, mas que tiveram prorrogações de até oito anos.
Fonte: Estadão
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram nesta quinta-feira barrar dispositivos da Lei de Propriedade Industrial que permitiam o prolongamento do prazo da vigência de patentes, mas adiaram para a próxima semana a decisão sobre o alcance da determinação.
Ao todo nove ministros acataram ação movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e foram contrários ao trecho da lei das patentes que permitia a prorrogação das mesmas além do prazo previsto originalmente.
Os ministros seguiram o entendimento do relator da ação, Dias Toffoli, de que deve valer somente o prazo de 10 anos para invenção e de 7 anos para modelo de utilidade, rejeitando, dessa forma, uma extensão maior prevista na lei das patentes e questionada pela PGR.
O entendimento do colegiado é que, de maneira geral, essa extensão da validade contrariaria os interesses do Brasil e seria um prazo além do praticado internacionalmente.
Votaram nesse sentido, além de Toffoli, os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello.
Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, presidente do STF, divergiram deste entendimento.
Os ministros do Supremo, entretanto, não chegaram a um consenso sobre o alcance da decisão. Por exemplo, se ela valerá para patentes já prorrogadas ou somente para aqueles pedidos posteriores à publicação do resultado do julgamento.
Toffoli fez uma sugestão para modular os efeitos para que a decisão tenha validade a partir da publicação da ata do julgamento, por entender que a lei de patentes está em vigor há 25 anos e que uma mudança agora poderia causar insegurança jurídica.
Na prática, se isso for acatado, significa que as patentes já em vigor terão direito ao prazo extra previsto antes do julgamento do Supremo.
Na proposta do relator, a única ressalva na modulação seriam “produtos e processos farmacêuticos e equipamentos e/ou materiais de uso em saúde” e patentes que estão sendo discutidas judicialmente. Nesses dois casos, a decisão teria efeitos retroativos.
Essa parte da decisão do STF será decisiva porque vai impactar diretamente na validade de patentes em vigor nas mais diversas áreas, incluindo produtos de saúde, do agronegócio e de inovações.
A advogada Deborah Toni, especialista em direito empresarial, disse que atualmente “não é possível saber o prazo final de vigência de uma patente no Brasil, justamente porque a contagem desse prazo é iniciada com a concessão da patente pelo INPI, o que pode demorar décadas”.
“Isso, consequentemente, gera uma clara violação aos direitos sociais e à economia, já que os concorrentes ficam impossibilitados de desenvolver um produto mais acessível. O consumidor, por sua vez, fica refém dos preços e dos produtos definidos pelo detentor do monopólio”, disse.
“É absolutamente irrazoável transferir para a sociedade o ônus decorrente da morosidade de análise dos pedidos de patente pelo INPI e, consequentemente, privá-la de usufruir dos benefícios da livre concorrência”, completou.
Por sua vez, o advogado Luciano Andrade Pinheiro, especialista em propriedade intelectual e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, disse que o dispositivo suspenso estava em vigor havia 25 anos sem contestação.
“Se houve uma alteração da situação de fato que impõe uma alteração nos prazos de proteção de uma patente, o foro adequado de discussão dessa matéria é o Congresso Nacional, não o Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
“O prazo já era fixo como manda a Constituição, mas protegia o inventor da ineficiência do Estado na demora de concessão da patente. Com a decisão do Supremo, toda a carga de demora recai sobre aquele que investe em tecnologia. O país precisa de mais garantias para quem promove inovação tecnológica, não de menos”, reforçou.
Fonte: Reuters
Na última quarta-feira (18), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) determinou que Jorge Oliveira, diretor do documentário “O Olhar de Nise”- produzido em 2015 -, inclua o nome da diretora de cinema Maione de Queiroz Silva nos créditos da produção.
Isso porque, no documentário, foi utilizada a última entrevista concedida por Nise da Silveira, e a responsável pela produção do material foi Maione, como reconhecido hoje pela 4ª Turma do tribunal.
O documentário conta a história de Nise, uma médica psiquiatra alagoana que revolucionou o tratamento de doenças mentais no país. Ao invés da utilização de métodos agressivos utilizados na época como choque elétrico e lobotomia – cirurgia no cérebro, que era um método adotado antigamente em casos de esquizofrenia -, a médica passou a utilizar a arte como forma de tratamento para doenças mentais. A psiquiatra criou o Museu de Imagens do Inconsciente.
O advogado do caso, que representou Maione, Luciano Andrade Pinheiro, especialista em propriedade intelectual e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, ressalta que, ao reconhecer o direito de crédito da diretora no documentário, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal valoriza aquilo que o autor de uma obra21 intelectual tem de mais importante que é seu nome.
“A utilização de uma obra intelectual sem dizer quem é seu autor é uma atitude reprovável legalmente. Quando comuniquei o resultado para Maione pude perceber em sua voz a felicidade e a satisfação pelo resultado”, destaca Luciano.
Matéria publicada no Jornal de Brasília.