Por Adriana Aguiar
O aplicativo de entregas rápidas Lalamove conseguiu afastar na Justiça do Trabalho pedido de vínculo de emprego para motoristas e entregadores. É a primeira sentença proferida em oito ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra aplicativos, como Uber, 99 e Rappi. Cabe recurso.
Os processos foram apresentados em novembro. Além do registro em carteira de trabalho, que garante diversos direitos aos trabalhadores, o MPT pede indenização por danos morais coletivos em valor não inferior a 1% do faturamento bruto do aplicativo.
Em sua defesa, a Lalamove alega que não mantém qualquer relação de emprego com os entregadores ou motoristas, e que se trata tão somente de uma empresa de tecnologia que fornece plataforma de contato entre prestadores de serviço e consumidores.
Ao analisar o caso, a juíza Luciana Maria Bueno Camargo de Magalhães, da 84ª Vara do Trabalho de São Paulo, entendeu que para reconhecer a existência de uma relação de emprego seria necessária a presença concomitante de todos os requisitos exigidos pelo artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – trabalho prestado por pessoa física de forma não eventual, com subordinação, pessoalidade e onerosidade.
Para ela, não estariam presentes todos esses elementos. Como exemplo, citou a questão da subordinação. “O prestador de serviço pode utilizar outras plataformas concorrentes, escolher livremente seus horários e a periodicidade do trabalho, sem qualquer direcionamento da ré ou subordinação a qualquer empregado da reclamada”, diz.
A juíza também analisou a forma de pagamento dos serviços. No caso, recebiam mais de 80% do total bruto pago pelo usuário, a depender da cidade, do tipo de serviço, quilômetros rodados e ponto de entrega. “Referido percentual de divisão dos valores aproxima-se mais de um regime de parceria do que de uma relação de emprego, na medida em que esta modalidade de rateio entre motorista e plataforma evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame empregatício.”
Na sentença, a magistrada cita decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que também negam vínculo de emprego em ações individuais (processos nº 11199-47.2017. 5.03.0185 e nº 1000123-89.2017. 5.02.0038). E o julgamento de uma ação civil pública movida em 2018 pelo MPT contra uma empresa de motofrete. O processo, similar aos ajuizados contra os aplicativos, foi analisado pela 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), que afastou a contratação de motoristas (processo nº 1001058-88.2018.5.02.0008).
Segundo o procurador-geral do trabalho José de Lima Ramos Pereira, o juízo negou pedido de vínculo na sentença levando em consideração apenas a única prova testemunhal levantada pela empresa. “Enquanto a nossa prova, toda a nossa documentação apresentada, não foi levada ou foi pouco levada em conta”, diz.
Na decisão, acrescenta, considerou-se que não há vínculo porque o motorista pode escolher o seu horário de trabalho e, por isso, teria autonomia. “O mesmo acontece no teletrabalho, onde não há um horário específico. E isso não é motivo para descaracterizar o vínculo.”
Outra questão levantada pela sentença para descaracterizar a relação de emprego, destaca, seria o recebimento de uma porcentagem por serviço. “Isso também não seria motivo para negar o vínculo, já que o percentual de pagamento já existe em contratações por produção ou comissão, por exemplo”, afirma o procurador-geral.
Para ele, ainda existe uma jurisprudência em construção no Brasil. No TST, diz, já há decisão favorável da 3ª Turma, de dezembro. E no TRT de São Paulo já houve entendimento favorável à responsabilização dos aplicativos em relação aos cuidados na pandemia – como fornecimento de máscaras e álcool em gel.
“A nossa intenção é sensibilizar o Judiciário e a sociedade sobre essa responsabilidade das empresas com relação a esses motoristas. Esse vínculo já foi reconhecido em vários países da Europa, como Holanda, França, Inglaterra e Espanha”, afirma.
O advogado Maurício Corrêa da Veiga, do Corrêa da Veiga Advogados, entende, porém, que a sentença foi acertada porque motoristas e entregadores não preenchem os requisitos da CLT para reconhecimento de vínculo. Para ele, essas novas formas de trabalho ainda precisam ser melhor regulamentadas.
“Enquanto não há uma maior regulamentação sobre o tema para assegurar patamares mínimos, como previdência social e seguro em caso de acidente ou morte, o juiz não tem outra saída senão tratar apenas do vínculo”, diz o advogado. Existem dois projetos de lei em tramitação no Congresso para regulamentar a questão – nº 2.055/2021 e nº 3.498/2019.
Enquanto o assunto não é definido, nas ações individuais, a tendência também tem sido negar o vínculo, segundo Corrêa. Das quatro turmas do TST que já tem decisões, três julgam nesse sentido (4ª, 5ª e 8ª Turmas). A 3ª Turma é a única até agora a reconhecer o vínculo, em decisão do ano passado.
Procurados pelo Valor, os advogados que assessoram a Lalamove, José Carlos Wahle, Cristian Divan Baldani e Manoela Tavares, do Veirano Advogados, preferiram não se manifestar.
Matéria publicada no Valor Econômico.
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