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A legalidade de cessão do direito de imagem

Por Catarina Borzino
O acórdão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que manteve a incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) aos jogadores e membros da comissão técnica resgata duas grandes discussões que ainda pendem de definição no Poder Judiciário: a constitucionalidade do voto de qualidade, “voto duplo”, do presidente da turma do Carf e a legalidade da cessão do direito de imagem de pessoa física para sua exploração por pessoa jurídica.
No mérito do caso, o acórdão do Carf trata da possibilidade de cessão do direito de imagem pelos atletas e membros da comissão técnica para exploração por pessoa jurídica. O Carf analisou tanto o recurso interposto pela confederação quanto o apresentado pelo então presidente da entidade, que fora considerado responsável solidário pela fiscalização. O recurso da CBV não foi conhecido por questões formais e o recurso do então presidente teve seu provimento negado por maioria, em razão do voto de qualidade.

Catarina Borzino. 

 

São inúmeros os casos de atletas e artistas que cederam o direito do uso de imagem e foram autuados por parte da Receita Federal sob o argumento de que o direito de imagem é personalíssimo e não seria passível de cessão e exploração por pessoa jurídica.
No “caso Conca”, por exemplo, em 2017, a 1.ª Turma da 2.ª Câmara da 2.ª Seção de julgamento do Carf deu provimento, por maioria, ao recurso voluntário do contribuinte, relativamente a fatos geradores ocorridos em 2010 e 2011, com fulcro em brilhante interpretação do Código Civil. Segundo o referido acórdão, as disposições do art. 20 do CC “embasam os aspectos positivos do exercício do direito de personalidade, uma vez que – sob autorização expressa – pode a pessoa fruir economicamente de seus bens que integram a personalidade.” Ocorre que, em outubro de 2018, a 2.ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais reverteu esta decisão, ao dar provimento ao Recurso Especial da Fazenda Nacional, tendo sido a votação desempatada pelo voto de qualidade (voto duplo) do presidente.
O voto de qualidade previsto no §9.º do art. 25 do Decreto 70.235/72, alterado pela Lei 11.941/09, tem sido alvo de inúmeros questionamentos judiciais pelos contribuintes que têm decisões desfavoráveis no Carf exclusivamente por conta do chamado “voto duplo”. A nulidade de acórdão do Carf cujo desempate ocorreu por prolação do segundo voto do presidente da turma, o qual sempre será representante da Receita Federal, vem sendo acolhida pelo Poder Judiciário, com base nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a resguardar direitos e garantias fundamentais, em especial a igualdade de tratamento.
Recentemente, em julho de 2018, foi prolatada sentença pela juíza da 5.ª Vara Federal do Distrito Federal que anulou acórdão do conselho em razão do voto duplo e determinou que a próxima turma ao julgar o processo na esfera administrativa somente poderá contar com o voto do presidente se a votação dos demais integrantes do colegiado resultar em empate.
A regra atualmente em vigor sobre o voto de qualidade também é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5731, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB. Ainda não há decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, mas este aspecto formal tem sido explorado pelos contribuintes para anular julgamentos do Carf cujos acórdãos tenham sido proferidos e concluídos pelo segundo voto do presidente da turma.
Sobre a discussão quanto à possibilidade de pessoa física ceder direito de imagem à pessoa jurídica e seus reflexos tributários, vale lembrar que, antes mesmo do advento das alterações na Lei Pelé, e na vigência do disposto no Código Civil, que confere suporte ao exercício do direito patrimonial sobre a personalidade, a Lei 11.196/05 expressamente estabeleceu que o serviço de caráter personalíssimo do sócio pode ser exercido pela pessoa jurídica e por ela ser tributado.
Com isso, mesmo nos casos de autuações fiscais da Receita Federal relativamente a fatos geradores anteriores a 2011, os contribuintes têm encontrado suporte para suas defesas na conjugação da interpretação da legislação ordinária com a própria Constituição Federal (art. 5.º, incisos X e XXVIII).
A partir de 2011, a alteração da Lei Pelé afastou a dúvida quanto à possibilidade de exploração, por intermédio de pessoa jurídica, do direito de imagem pelo atleta. Em 2015, a Lei 13.155 estabeleceu limite aos valores pagos pelos clubes aos atletas a título da exploração do direito de imagem e atrelou os referidos valores a 40% do salário do atleta.
Este dispositivo carrega em seu comando duas normas passíveis de questionamento quanto à sua constitucionalidade. A primeira está relacionada à limitação do direito fundamental ao uso e exploração do direito de imagem, direito personalíssimo de natureza civil.
Se o atleta recebe do clube salário em valores compatíveis com o trabalho desempenhado e, além disso, cede o direito do uso da imagem a pessoa jurídica para exploração e recebimento da correspondente contrapartida financeira, por meio de contrato de cessão do direito do uso da imagem legítimo e genuíno, estes valores não podem ser limitados pela legislação ordinária por se tratar de direito fundamental e individual do atleta.
A outra regra de constitucionalidade questionável é a que vincula a limitação dos valores recebidos a título do uso do direito de imagem ao salário do atleta. Se o direito ao uso da imagem é de natureza civil, o valor pago pela sua exploração não pode ser vinculada ao salário do atleta.
O horizonte projeta ainda um longo embate sobre a temática. No fim, caberá a palavra ao Poder Judiciário, que terá a missão de chegar a um bom termo.