BRASÍLIA (Reuters) – O Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu na pauta desta quarta-feira uma ação movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que tenta acabar com a extensão do prazo de vigência de patentes, caso esse que, segundo fontes ouvidas pela Reuters, poderá ter repercussão direta no custo do tratamento contra Covid-19 em meio ao pior momento da pandemia no Brasil.
O processo foi movido pela PGR ao Supremo em 2016 e contesta dispositivos da Lei de Propriedade Industrial por entender que a norma concederia um prazo exacerbado para a proteção de patentes, ferindo o interesse social, desenvolvimento tecnológico e econômico no país.
Em fevereiro passado, o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, reforçou a ação e apresentou um pedido ao Supremo de concessão de liminar destacando a atual conjuntura sanitária decorrente da epidemia de Covid-19.
“O perigo na demora em se obter o provimento jurisdicional… decorre de fato superveniente consistente na grave crise sanitária ocasionada pela epidemia de Covid-19, uma vez o disposto no art. 40, parágrafo único, da LPI impacta diretamente no direito fundamental à saúde, haja vista que, enquanto não expirada a vigência de patentes de grandes laboratórios, a indústria farmacêutica ficará impedida de produzir medicamentos genéricos contra o novo coronavírus e suas atuais e futuras variantes” destacou Aras.
O julgamento tem impacto em uma série de setores no país que vão de empresas, universidades e centro de pesquisa, agronegócios e gastos governamentais.
Defensores da manutenção da medida, entretanto, argumentam que a medida visa a garantir um prazo razoável para se usufruir a exclusividade da respectiva invenção diante do que alegam ser a demora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) de avalizar uma patente.
Uma fonte do STF relatou à Reuters que o julgamento é complicado, tendo bons argumentos para os dois lados e com forte impacto econômico por trás. Nos bastidores, segundo a fonte, está em discussão que a mudança só valeria para novas patentes registradas, como em casos de remédios, mas para os antigos e em curso não. Disse ainda que um eventual pedido de vista não está descartado para ocorrer.
O julgamento das patentes só vai ocorrer após a análise pelo plenário do Supremo das liminares que liberaram e barraram a abertura de templos religiosos dadas nos últimos dias por ministros da corte.
ACESSÍVEL
O Movimento Medicamento Acessível, que une representantes da indústria farmacêutica e associações de pacientes, afirmou que a legislação brasileira assegura até 20 anos de vigência de patentes, em linha com práticas mundiais, mas a brecha na Lei de Propriedade permite que esse prazo seja estendido por mais 10 anos.
“A extensão da exclusividade na produção de fármacos gera incerteza jurídica, infla preços e diminui a oferta de produtos no mercado, além de ser inconstitucional e ir contra práticas internacionais. Esperamos a compreensão dos ministros do STF em relação a estes pontos, que afetam toda a população brasileira”, argumenta Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil, em comunicado.
Segundo a entidade, um exemplo do que consideram como extensão arbitrária de patente é um medicamento usado na intubação de pacientes com Covid-19. O remédio, afirmou, é vendido por 4 mil reais, mas seu custo poderia cair pela metade se a prorrogação prevista na norma questionada já tivesse sido revogada.
O advogado João Carlos Banhos Velloso, sócio da Advocacia Velloso, disse que a norma estende, sem qualquer necessidade real, o prazo da vigência da proteção intelectual de invenções, adiando a entrada em domínio público de diversas patentes.
“Vários medicamentos úteis ao tratamento da Covid-19 já estariam em domínio público se não fosse a regra constante do parágrafo único (da lei). Citem-se, exemplificativamente, a rivaroxabana, anticoagulante recomendado pela OMS para o tratamento da doença, cuja patente, não fosse a extensão, teria expirado em 11/12/2020; o sugammadex, integrante indispensável do “kit intubação” e, por isso mesmo, já em falta nos hospitais; o rendesivir, antiviral liberado para uso no tratamento do coronavírus pela FDA estadunidense e, em seguida, pela própria Anvisa, dentre vários outros”, afirmou.
Para o advogado, a reversão da norma permitirá que os medicamentos sejam oferecidos a preços menores, tanto para os consumidores quanto para o Sistema Único de Saúde.
Por outro lado, o advogado Luciano Andrade Pinheiro, especialista em propriedade intelectual e sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados, entende que o dispositivo não é inconstitucional porque respeita um prazo determinado de vigência da patente.
“O Congresso Nacional é o foro adequado para a discussão desse tema, que envolve interesses de diversos setores, inclusive mecanismos internacionais de proteção patentária. O Supremo, a meu ver, deveria deixar essa discussão para o Congresso”, avaliou.
Segundo Pinheiro, o investimento em desenvolvimento tecnológico é alto e a patente é uma proteção mínima dos riscos inerentes. Para ele, uma derrubada da norma traria “efeitos deletérios a todas as áreas de pesquisa e inovação, inclusive a de fármacos”.
O advogado disse ainda que a PGR usou o argumento da Covid para pedir o julgamento célere, mas não há efetiva demonstração de que há medicamentos para tratamento do vírus seriam atingidos com a perda dos direitos de exclusividade por parte dos titulares.
“Toda patente é um monopólio. O titular tem o direito exclusivo de usar. O sistema de propriedade intelectual funciona assim mesmo. Ele existe com um propósito que é garantir um retorno para aquele que investe em pesquisa e desenvolvimento”, disse.
“O prazo não é de 30 anos, como diz o artigo. Isso é uma questão política. Se optarmos por quebrar patentes ou diminuir o prazo delas, temos que estar preparados com a reação da indústria em não querer mais investir porque pode passar a não ter recompensa”, concluiu.
Fonte: IstoÉ Dinheiro
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