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Como as recomendações do Ministério Público do Trabalho podem afetar o home office

Por Fernanda Trisotto
Uma nota técnica do Ministério Público do Trabalho (MPT) com 17 recomendações relacionadas ao home office, elaborada em meados de setembro, acendeu o debate sobre os limites de atuação do órgão e a interpretação da própria CLT. O texto trata de uma série de aspectos, como o controle da jornada de trabalho, a privacidade e o direito de desconexão dos empregados.
Mas, na prática, como é essas recomendações vão afetar a vida do trabalhador e das empresas que adotaram o teletrabalho?
Especialistas consultados pela Gazeta do Povo entendem que o MPT “pacificou” seu entendimento sobre a aplicação das regras da CLT para o home office, mas que essas recomendações não têm força de lei e eventuais punições às empresas poderão ser questionadas na Justiça posteriormente. Esse documento serve como baliza para o trabalho de fiscalização do próprio órgão, mas não pode, na avaliação desses especialistas, virar mais um “puxadinho” da legislação.
Qual a aplicação prática das recomendações do MPT
A adoção do home office no Brasil ganhou força por causa da crise sanitária e deve virar tendência até mesmo após a pandemia, já que muitas empresas, inclusive públicas, sinalizaram que devem manter seus colabores no regime de teletrabalho. As recomendações do MPT são interpretações da CLT e não devem preocupar as empresas que já cumprem a lei, seja o que está disposto na CLT ou em normas regulamentadoras do Ministério da Economia e Secretaria do Trabalho.
A questão é que há uma certa insegurança jurídica em relação à eventual aplicação de punições. “Está dentro das funções do Ministério Público do Trabalho expedir recomendações. Não há nada de irregular nisso. O problema surge quando o MPT quer emprestar força coercitiva a essas recomendações, notificando empresas a cumprir e utilizando-se delas para fundamentar ações civis públicas”, observa o advogado trabalhista e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, Luciano Andrade Pinheiro. Ele lembra que o teletrabalho já está regulamentado na CLT, por meio da Lei 13.467/2017, que instituiu a reforma trabalhista.
Para Peterson Vilela, advogado trabalhista do L.O. Baptista Advogados, essa nota técnica é mais um roteiro para o próprio MPT se posicionar quando fizer fiscalizações do trabalho. “Entendo que pode ser considerado como um todo problemático se o MPT for enfático nas fiscalizações e adotar ou impor às empresas que forem fiscalizadas alguma penalidade baseada na nota técnica, porque a nota técnica não é lei”, frisa. Caso venha a ser essa a postura do Ministério Público, essas recomendações teriam potencial para engessar as relações de trabalho.
Apesar de não terem força de lei, na prática as recomendações acabam não sendo simples diretrizes, explica Diego Amorim, advogado trabalhista do Miguel Neto Advogados. “A orientação tem como escopo principal unificar a atuação de membros do MPT, mas poderá levar a consequências práticas para as empresas”, diz. Ele comenta que as recomendações, ainda que não sejam a interpretação do Judiciário, no âmbito administrativo podem levar as empresas a assinarem termos de ajustamento de conduta (TACs), com possibilidade de aplicação de multas, e até mesmo serem alvo de ação civil pública.
Pontos das recomendações para home office que demandam mais atenção
Alguns pontos da nota técnica do MPT demandam mais atenção das empresas para eventual implementação e cumprimento.
O advogado trabalhista e sócio da Advocacia Maciel, Pedro Maciel, destaca como desafios a instrução das novas normas da Lei Geral de Proteção de Dados (LGDP) quanto à privacidade e segurança de dados, caracterização do acidente de trabalho e controle de pausas e descanso.
“Quanto à caracterização do acidente do trabalho, é um problema que até hoje há nos casos de trabalhadores neste tipo de labor, de modo que, se o empregado tem todas as condições ergonômicas em sua residência para trabalhar da melhor forma, penso ser muito difícil de imputar à empresa culpa por eventual acidente que venha a sofrer o empregado”, aponta.
Outra questão é o controle de jornada: embora já existam mecanismos para anotação do ponto remoto, não há um entendimento único sobre caracterização de horas extras. Pela lei, teletrabalho não gera hora extra, mas há quem defenda que empregados que anotam o ponto têm direito a esse registro.
Como será a fiscalização do home office
Para verificar o cumprimento de todas as recomendações, o MPT precisará fazer ações de fiscalização. Em geral, elas são oriundas de denúncias ou mesmo fruto da ação de fiscais da Secretaria do Trabalho. Atualmente é um processo mais moderno, já que muitas informações estão em bancos de dados digitais e são facilmente acessadas pelos fiscais. A questão fica mais complexa se exigir uma vistoria in loco.
“No presente momento não há como prever como seria a fiscalização, tendo em vista que uma fiscalização do MPT na residência dos empregados iria de encontro às próprias recomendações de privacidade dos empregados”, observa o advogado Pedro Maciel.
Para o advogado Diego Amorim, todas as recomendações do MPT são de pontos que já deveriam estar no radar das empresas e de ações que muitas já desempenhavam no trabalho presencial.
“A empresa já tinha que se preocupar antes, mas agora é mais uma razão. Como está tomando precauções em higidez e segurança dos empregados em home office? Como a empresa evidencia isso? Se não faz, tem que fazer o quanto antes, porque isso sempre foi uma obrigação”, aponta. Ele sugere a adoção de sistemas de documentação, tanto com observância dos funcionários em relação a orientações quanto com fichas de treinamento.
A principal orientação que o advogado Peterson Vilela dá às empresas é a observância da lei. “Seguir a CLT e seus dispositivos, convenções e acordos coletivos e as normas da Secretaria do Trabalho. Uma vez isso feito, as empresas estarão de acordo com as recomendações do MPT”, resume.
Veja as 17 recomendações do MPT para o trabalho em home office:
Ética digital: respeitar a ética digital no relacionamento com os empregados, preservando a autonomia de escolhas quanto à intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar, bem como de em relação à obtenção, armazenamento e compartilhamento de dados;
Contrato: a prestação de serviço em regime de teletrabalho precisa estar regularizada por meio de aditivo de contrato, especificando a duração desse contrato, responsabilidade e infraestrutura para o trabalho remoto e reembolso de despesas;
Ergonomia: observar os parâmetros da ergonomia em relação a condições físicas e cognitivas (do tipo de mobiliário e postura até a formatação de reuniões e exigências de tempo);
Pausas: garantir ao trabalhador, especialmente nos casos de telemarketing, ferramentas adequadas para capacitação e mecanismos para pausas e intervalos para descanso ou alimentação;
Suporte tecnológico: oferecer apoio tecnológico, orientação e capacitação aos trabalhadores sobre a realização do trabalho remoto e em plataformas virtuais;
Instrução: instruir os empregados de forma clara sobre medidas para evitar doenças, físicas e mentais, e acidentes de trabalho, assim como adotar medidas para intervalos e exercícios laborais;
Jornada: adequar as atividades de teletrabalho, dentro da jornada contratual, aliando as necessidades da empresa e responsabilidades familiares de trabalhadores (pessoas dependentes sob seus cuidados) na elaboração de escalas;
Etiqueta digital: orientar equipes e adotar modelos com especificação de horários para atendimento de demandas, assegurando os repousos legais e direito à desconexão;
Privacidade: garantir o direito de imagem e privacidade dos empregados, orientando a realização do serviço de forma menos invasiva a esses direitos;
Consentimento: assegurar que o uso de imagem e voz seja precedido de consentimento expresso dos trabalhadores, principalmente no caso de atividades que serão divulgadas em plataformas digitais;
Covid-19: observar os prazos específicos e restritos ao período das medidas de contenção da pandemia da Covid-19, caso tenha havido alteração de prestação de serviço por causa dessas ações de mitigação;
Liberdade de expressão: garantir o exercício da liberdade de expressão dos empregados, salvo em caso de ofensas que caracterizem calúnia, injúria e difamação;
Autocuidado: estabelecer política de autocuidado para identificação de potenciais sintomas da Covid-19;
Idosos: garantir a oferta do teletrabalho aos idosos para favorecê-los;
Pessoas com deficiência: garantir que o teletrabalho favorecerá às pessoas com deficiência, tanto na obtenção e conservação do emprego quanto na progressão da carreira;
Controle de jornada: adoção de mecanismo de controle de jornada de trabalho para os empregados;
Profissionalização: estimular a criação de programas de profissionalização especializada para a mão de obra dispensada.
Fonte: Gazeta do Povo