Matheus de F. Corrêa da Veiga e Luísa B. B. Corrêa da Veiga*
A Revolução Industrial deu início a uma avalanche de mudanças nas relações de trabalho cujos efeitos são percebidos ainda hoje. Os trabalhadores, que até então estavam acostumados com as condições árduas, mas dignas do trabalho no campo, depararam-se com jornadas de trabalho extenuantes, condições de insalubridade, trabalho infantil, dentre outros abusos manifestos. Ademais, a substituição do trabalho humano pelas máquinas gerava desemprego em massa. Os trabalhadores estavam desamparados e surgiu a necessidade de intervenção do Estado para equilibrar essas relações.
A era da computadorização deu seguimento à onda iniciada pela Revolução Industrial de substituir o trabalho do homem, agora, pelo trabalho do computador. Mais uma vez as relações de trabalho sofreram alterações significativas e o trabalhador necessitou da proteção da lei.
Com o aumento do uso da computação o desemprego também seguiu a tendência do período anterior com uma redução significativa dos quadros de funcionários. Isso ocorreu devido à implementação de sistemas que executam sozinhos o trabalho que demandava vários empregados. Há que se considerar, entretanto, qual a parcela desse desemprego constituiu de fato falta de trabalho e quantos trabalhadores tão somente migraram para novos empregos ligados às carreiras que surgiram com o propósito de suprir as novas necessidades do mercado. Foi também nesse momento que houve um boom dos negócios inovadores, hoje conhecidos como start ups.
Nesta toada, o direito do trabalho precisou novamente se adaptar às realidades impostas, cobrindo agora questões como doenças decorrentes do uso contínuo do computador e a regularização das novas carreiras.
Foi também em decorrência do uso do computador que o trabalho efetuado remotamente, frequentemente nas residências dos empregados, hoje conhecido como home office ou teletrabalho, teve início. Em princípio, a maior parte desses trabalhadores eram informais, havendo pouca adesão das empresas ao seu uso por ser, por natureza, de difícil fiscalização.
No entanto, essa nova forma de organização do trabalho, quando utilizada com discernimento, traz vários benefícios para as partes envolvidas, por conglomerar flexibilidade de tempo, espaço e comunicação. A possibilidade de controle da própria jornada tende a aumentar a produtividade e eficiência do trabalhador remoto, além de reduzir o tempo e gasto com deslocamento e diminuir notavelmente a incidência da síndrome de burnout e reduzir a taxa de turn over.
As peculiaridades da natureza do trabalho remoto impõe algumas dificuldades em sua execução, motivo pelo qual importa, em condições normais, que a escolha dos profissionais aptos a realiza-lo seja feita caso a caso, levando em consideração fatores como a necessidade de instalação de equipamentos para adequar o ambiente residencial e seus custos, adequação deste ambiente quanto à possiblidade de isolamento e concentração, de organização de horário de trabalho, de critérios que estabelecem tranquilidade e autonomia para o profissional.
Algumas das vantagens para a empresa, além do aumento da satisfação do trabalhador, são a redução de gastos com aluguel (necessidade de menores espaços físicos), com deslocamento de funcionários e com cobertura de risco de acidentes de trabalho.
Apesar da sensação de novidade para muitas pessoas, a prática vem sendo adotada por vários países há anos, inclusive com previsão legal na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, que, em seu artigo 6º previa “não se distingue o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.”
Já a Lei n. 12.551/11 determinou a equiparação dos direitos trabalhistas de trabalhadores remotos aos direitos do trabalhador convencional, conforme a CLT. Com essa mudança, o teletrabalho tornou-se mais seguro para o trabalhador e começou a expandir seu alcance no cenário empresarial.
Com o advento da reforma trabalhista consolidada na Lei 13.467/17, o teletrabalho foi, mais uma vez, objeto de regulamentação específica, conforme artigos 75-A a 75-E, o que demonstra a importância da prática frente ao aumento da adesão à ela.
Sob o ponto de vista jurídico, é importante que a legislação mantenha-se atualizada e em sintonia com as mudanças da realidade social, não perdendo de vista a necessidade de equilibrar a relação empregador-empregado, que, hoje distante da degradação chocante das fábricas lotadas de doentes trabalhando horas a fio, não possui, no entanto, mérito de fugir de excessos e abusos.
Com a materialização da pandemia do novo coronavírus (covid-19), o mundo teve que encontrar rapidamente formas de lidar com a necessidade de isolamento social das pessoas para reduzir a taxa de propagação do vírus, ao mesmo tempo que se tornou essencial a manutenção do funcionamento basal das empresas para evitar o colapso do mercado financeiro. Para satisfazer o imediatismo destas demandas o teletrabalho surgiu como uma ferramenta inestimável.
Tendo em vista a peculiaridade do presente momento, as dificuldades e ressalvas destacadas para a utilização do trabalho remoto constituem pequenos obstáculos à execução das tarefas, uma vez que mais importa manter as atividades, mesmo que com menos eficiência e rendimento, do que suspendê-las por completo. Há, claro, muitos profissionais que necessitam ser criativos e disciplinados para apresentar resultados em casas cheias de crianças e tarefas domésticas por fazer nesta fase de confinamento, mas os benefícios com certeza superam em muito as dificuldades enfrentadas.
No cenário atual, a prática exerce a importante função de evitar a interrupção total das atividades das empresas e órgãos estatais, cumprindo, ao mesmo tempo, com a necessidade de manutenção das atividades e de proteção do cidadão. Ampliando seu alcance além da tecnologia, abrange, assim, questões sociais e organizacionais de sobrevivência.
Também houve um aumento do escopo de atuação da tecnologia inicialmente criada para seu exercício, pois ao passo que originalmente tratava-se de ferramenta pensada para as pessoas cujos trabalhos independem de interação direta entre funcionários, com o avanço de tecnologias como o Skype, Google Meet, Google Classroom e Zoom, entre outras, a prática do home office pode alcançar também as questões interdependentes de vários setores organizacionais sem qualquer prejuízo para o resultado do trabalho.
Com as taxas de desemprego crescendo diariamente desde o início da quarentena, muitos empregos estão sendo mantidos em razão da possibilidade de uso do teletrabalho.
Especialmente no momento histórico em que vivemos, com a constante ameaça de contaminação pela covid-19 e com o colapso do sistema hospitalar pairando sobre nossas cabeças, fica evidente a importância dessa modalidade de trabalho, que, quando executado com compromisso e comprometimento, torna-se essencial para a sobrevivência de empresas e de pessoas.
*Matheus de F. Corrêa da Veiga é formado pelo Centro Universitário IESB, pós-graduado em Direito Trabalho e Processo do Trabalho, IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público, coordenador do Livro em Homenagem ao Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, articulista do Livro em Homenagem ao Ministro João Oreste Dalazen, membro da comissão de Direito do trabalho da Seccional OAB/DF (2016/2018)/ (2019/2021). Em 2013 ingressou no Corrêa da Veiga Advogados como sócio
*Luísa B. B. Corrêa da Veiga, advogada, é formada pelo Centro Universitário IESB
Fonte: Estadão