Publicado no JOTA / Por Guilherme Mendes
Com sessão marcada para o dia 3 de setembro, os conselheiros do Pleno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) poderão aprovar até 50 novas súmulas para o tribunal administrativo. Os textos constam na edição dessa terça-feira (06/08) do Diário Oficial da União, e apesar de alguns elogios ao conteúdo dos textos, a visão geral entre advogados e ex-conselheiros que representavam os contribuintes no Carf é que as propostas, caso aprovadas, poderão generalizar discussões que necessitam de análise caso a caso, além de assentar teses que não são uniformes no Judiciário e na esfera administrativa.
O número de enunciados a serem analisados é alto: no ano passado, eram 30 propostas, sendo que 21 se tornaram súmulas. Os textos serão votados pelos 26 conselheiros que fazem parte das três câmaras superiores do Carf. De acordo com o regimento interno do órgão, a súmula será aprovada se obtiver maioria qualificada para sua aprovação – três quintos dos votantes ou 16 conselheiros do Pleno. Súmulas sobre temas que dizem respeito a apenas uma câmara superior precisam de seis votos.
Serão duas votações diferentes em setembro: na primeira, onde estão um conjunto de doze propostas de súmula, todos os 26 membros do pleno votam. Na pauta estarão questões que atingem todas as turmas, como irregularidade no mandado de procedimento fiscal, multa de ofício em liquidação extrajudicial e responsabilidade solidária de terceiros.
A partir daí serão analisadas súmulas específicas para cada seção, e os dez conselheiros de cada câmara superior estarão aptos a votar. Nesse bloco chamou a atenção de tributaristas, dentre outras, a 22ª proposta, que trata da caracterização dos chamados atos cooperados, a ser debatida pelos membros da 1ª Seção. A 41ª proposta, que pode garantir a não incidência de PIS e Cofins sobre vendas realizadas para a Zona Franca de Manaus, será de competência da 3ª Turma da Câmara Superior.
Serão discutidos ainda a indedutibilidade dos juros sobre capital próprio e o lançamento de ofício para prevenir a decadência da cobrança, mesmo que o valor já esteja depositado judicialmente. Além disso, novamente entrará em pauta uma proposta de súmula que proibiria a dedutibilidade do chamado ágio interno.
O advogado associado do Mattos Filho Leandro Bettini lembra que, com as mudanças previstas na Medida Provisória (MP) da Liberdade Econômica, esta pode ser uma das últimas votações do Pleno no formato atual. Há a previsão de que, a partir da publicação da nova redação, as súmulas passem a ser redigidas por um comitê. “É importante porque é o momento em que ainda se tem membros da sociedade civil na aprovação de teses. Ainda se prestigia que a sociedade civil participe desta decisão”.
À mesma conclusão chegou o tributarista do A. Lopes Muniz Advogados Associados Flávio Miranda Molinari. “Na prática, as súmulas poderão ser editadas pelo Carf, mas não serão vinculantes. É importante destacar que essa alteração da MP pode deixar o tribunal administrativo com uma postura ainda mais pró-fisco, na medida em que as confederações, que mantinham representantes da sociedade civil no processo de edição das súmula, não participarão dessa nova configuração.
Para quem votará no Carf, expectativa
A participação na criação dos enunciados, segundo a presidência do órgão, veio de diversos setores. “Propostas vieram de conselheiros, das confederações [que indicam conselheiros], da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional [PGFN]”, pontuou a presidente do Carf, Adriana Gomes Rêgo. Para a presidente, o alto número de súmulas é positivo: “o critério é aprovar o maior número de súmulas, para que se reduza o litígio”.
A vice-presidente do Carf, Cristiane Silva Costa, demonstrou alegria ao saber que grande parte das súmulas discutidas pelos contribuintes será levada para votação. “A súmula agiliza a produção e a eficiência do Carf”, comentou a representante dos contribuintes. “Se as turmas já decidem assim, podemos sumular para agilizar os julgamentos”.
Para quem analisou propostas, críticas
A euforia de quem votará as súmulas, porém, encontra certa resistência entre advogados e especialistas na área tributária.
O sócio do Martins Ogawa, Lazzerotti & Sobral Advogados Luciano Ogawa considerou os enunciados como positivos. “A leitura inicial foi positiva. A maioria dos enunciados foram favoráveis aos contribuintes”, comentou.
Mas há também críticas: ao analisar a 32ª proposta de súmula, Ogawa considerou que a possibilidade de tornar indedutível a amortização de ágio que foi gerado internamente no grupo econômico, sem qualquer dispêndio, seria “abrangente demais”. Para o tributarista, generalizar a discussão como ágio interno pode colocar em risco análise de operações que se baseiam em outras estratégias, como as que usam as chamadas empresa-veículo para concluir a operação.
“É o velho calo no sapato da Fazenda. É um tema recorrente e em todas as mudanças que ocorrem no Carf se mira nele”, sintetizou a tributarista Mirian Lavocat. A sócia do Lavocat Advogados, que já foi conselheira do órgão, considerou as súmulas como prejudiciais à qualidade do órgão. “O Carf tenta limitar, ao extremo, a discussão dentro do tribunal”, completou.
Este risco – de as súmulas generalizarem o debate – também foi apontado com preocupação pelo sócio do Velloza Advogados, Leandro Cabral. O tributarista questionou a 35ª proposta de súmula, que obriga a empresa e o sindicato a assinarem o plano de PLR anteriormente ao início do período de apuração do próprio plano: “[A proposta de] súmula ignora o caso a caso e detalhes específicos. A proposta praticamente decreta a invalidade de todos os planos de PLR firmados no mercado, por conta de resistência histórica dos sindicatos na assinatura, como estratégia de negociação”, apontou.
Como sindicatos costumam postergar a assinatura dos planos, em troca de melhores condições, há a geração de um descompasso, que é base de diversas autuações analisadas pela 2ª Seção do Carf. “Quem sai prejudicado nisto, além das empresas, são os empregados, uma vez que se desestimula a prática da PLR”.
Segundo Cabral, haveria também um descompasso com com a jurisprudência do Carf anterior à Zelotes – que era majoritariamente pró-contribuinte.
Cabral também considera que as teses levadas ao Pleno ainda carecem de discussão. A 2ª Proposta, que define que “ainda que se refira a crédito tributário depositado judicialmente, não é nulo o lançamento de ofício realizado para fins de prevenção da decadência, com reconhecimento da suspensão de sua exigibilidade e sem a aplicação de penalidade ao sujeito passivo”, iria, segundo ele, contra entendimento do STJ.
“Esta súmula conflita com o entendimento firmado pelo STJ na sistemática dos recursos repetitivos no sentido de que não é necessária lavratura de auto de infração para prevenir decadência quando há depósito judicial”, pontuou a tributarista do Corrêa da Veiga Advogados, Catarina Borzino. “Se aprovado, além de alimentar a insegurança jurídica pelo conteúdo conflitante com o entendimento do STJ, seu comando induz à possibilidade de tratamento desigual entre os contribuintes”.
Sobre a questão dos juros sobre capital próprio, o sócio do Velloza ressaltou que, apesar da posição majoritária no Carf ser neste sentido, o Judiciário entende de maneira diversa. “Esta tese não está consolidada ainda, com o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) tendo decisão recente permitindo a dedução”, pontuou o tributarista. Este debate, ressaltou Ogawa, não chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o enunciado seria redigido levando em conta apenas a jurisprudência pós-Zelotes do Carf. Antes da Zelotes, argumenta, o histórico era favorável à dedutibilidade.
O professor de Direito Tributário Breno de Paula avalia uma incoerência na 9ª proposta de súmula, que afirma que o depósito judicial do crédito tributário não se equipara a pagamento para fins de caracterização de denúncia espontânea. “Gera uma incoerência, conferindo tratamento mais benéfico ao contribuinte menos diligente, e castigando com mais rigor justamente o contribuinte que se portou com mais cautela legal”, afirma.
De Paula explica o argumento. “o contribuinte que decide impugnar judicialmente um tributo qualquer e que, nessa empreitada judicial, logra obter um provimento liminar, poderá, se e quando cassado o provimento no futuro, recolher, no prazo de 30 dias, o tributo que deixou de pagar, sem qualquer acréscimo sancionador”, exemplificou.
O ponto polêmico ocorreria se, ao invés de suspender a exigibilidade do crédito pela via dos incisos IV ou V do artigo 151 do CTN, o contribuinte preferisse adotar uma postura ainda mais conservadora e depositar o tributo litigioso. “[O contribuinte] então suportará, agora, a multa moratória em caso de desfecho desfavorável do contencioso judicial”.
Há também propostas apontadas como positivas aos contribuintes, como a envolvendo a Zona Franca de Manaus: a 3ª Seção pode ter uma súmula pela não incidência do PIS e da Cofins na venda de produtos para a região. De acordo com a jurisprudência da casa, o entendimento é de que tais operações equivaleriam à exportações.
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