Por Ciro Campos
Jogadores e ex-jogadores de futebol têm um novo adversário em comum hoje em dia: os jogos de videogame. Atualmente correm somente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, mais de 70 processos movidos contra os dois principais simuladores da modalidade, o FIFA e o Pro Evolution Soccer (PES). As ações são todas por uso indevido da imagem nos jogos virtuais e também por danos morais. Os atletas alegam que não assinaram contratos para autorizarem a aparição de nomes, figuras e características técnicas nos produtos.
O imbróglio se explica pelo artigo 87-A da Lei Pelé, de 1998, que determina que a imagem de cada atleta só poderá ser explorada em caso de um contrato específico para essa finalidade. Por causa dessa determinação, teve início a enxurrada de processos nos últimos anos contra as desenvolvedoras de jogos virtuais. O Brasil é uma complexa exceção no mundo do futebol, pois obriga as empresas a negociarem com a CBF para utilizar o nome do Brasileirão, com os clubes para reproduzir o nome, os estádios e os uniformes e torna necessário também fechar acordos com cada um dos atletas. Em outros países, cabe à liga local centralizar o licenciamento dos direitos de exploração, em um formato que facilita a produção dos jogos virtuais.
O Estadão buscou informações sobre os processos na plataforma de busca do STJ e do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os dados são públicos. O valor inicial das ações de indenização é de em média R$ 150 mil. Entre os nomes que têm processos em andamento contra as desenvolvedoras de jogos estão atletas em atividade na Série A, casos de Victor Ferraz e Vanderlei, do Grêmio, Marcelo Lomba, do Inter, e Wellington Paulista, do Fortaleza. Há outros nomes já aposentados, entre eles o ex-volante Vampeta e o ex-atacante Iarley.
Porém, o volume de processos já movidos contra as empresas desenvolvedoras de jogos é bem maior. O advogado de todas as mais de 70 ações de atletas que tramitam no STJ, Marcel Bragança Retto conta que desde 2014 já atuou em cerca de 250 casos do tipo. Segundo ele, os processos começaram quando os jogadores e seus representantes descobriram que foram retratados nos jogos virtuais sem a devida autorização contratual.
“Esses jogos de videogame além de exporem a imagem do jogador coletivamente, permite que segregue a imagem com as minúcias sobre as habilidade de cada um, tanto nos aspectos físicos como em atributos esportivos”, explicou. De acordo com o advogado, quase todas as ações movidas até hoje tiveram a vitória dos esportistas porque as desenvolvedoras dos jogos virtuais deveriam ter feito com cada atleta retratado um contrato específico para aparição no videogame.
Boa parte dos processos foi movida por ex-atletas porque alguns jogos lançados em anos anteriores continuam no mercado. “Nós defendemos que pelo fato de os jogos ainda estarem circulando e à venda em grandes plataformas, o dano à imagem continua. Quem explora a imagem de um atleta com um aspecto comercial e mercantil, vai ter de indenizar”, disse o advogado.
A empresa responsável pelo PES, a Konami, disse à reportagem que não comenta assuntos que estão na Justiça. A EA Sports, que produz a série FIFA, não retornou o contato.
Um dos poucos nomes do futebol a tratar o caso publicamente foi o ex-goleiro Marcos, do Palmeiras. Em janeiro desde ano, ele gravou um vídeo nas redes sociais após ganhar a ação movida contra a série FIFA por aparições em jogos virtuais de 2005 a 2012. “Nunca pedi para me colocar no jogo. Joga com Buffon, Neuer, com os caras lá que eles pagam um monte de dinheiro. Quer tirar meu nome, pode tirar. Só que se colocar meu nome tem de pagar”, disse na ocasião.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, as reclamações dos atletas são coerentes e têm como causa central não existir no Brasil uma liga nacional nos moldes das existentes na Europa e nos esportes americanos. Essas organizações concentram coletivamente os direitos de exploração comercial, o que facilita a produção de contratos de direitos de imagem para jogos virtuais.
“A empresa do vídeo deveria pedir autorização aos atletas, mas não pediu e ainda fez disso um uso que prejudicou a imagem e a moral a quem foi retratado no videogame”, disse o advogado especialista em propriedade intelectual e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, Luciano Andrade Pinheiro. “A inexistência de uma liga nacional de futebol é historicamente um dos primeiros entraves, pois faz com que as empresas tenham que negociar diretamente com cada clube, e isso é sempre complexo”, afirmou o advogado especialista em direito desportivo Eduardo Carlezzo.
Ex-superintendente de marketing do Corinthians, Gustavo Herbetta chegou a atuar no passado em negociações com desenvolvedoras de jogos e avalia que outro problema existente no Brasil é a forma como os direitos de imagem de atletas são utilizados. “Esses contratos surgiram não para regular o uso da imagem do atleta, mas sim como uma forma de os clubes evitarem tributos trabalhistas”, disse o fundador da fundador da empresa de marketing esportivo Lmid.
Fonte: Estadão
Mês: dezembro 2020
Por Ciro Campos
Os dias finais de 2020 vão trazer uma angústia extra para alguns torcedores, jogadores e dirigentes. Segundo levantamento feito pelo Estadão, pelo menos 50 atletas da Série A do Campeonato Brasileiro só têm contrato com seus respectivos clubes até 31 de dezembro. Caso não exista um novo acordo, é provável que em plena reta final de temporada as equipes percam atletas, e se enfraqueçam. O dinheiro continua curto para a maioria. O novo presidente do São Paulo, Julio Casares, por exemplo, revê todas as despesas do clube.
O impasse foi causado principalmente pela pandemia do novo coronavírus. A paralisação do calendário em março obrigou as competições a serem esticadas até fevereiro, em vez de acabar em dezembro, como sempre foi nos últimos anos. Essa mudança trouxe um grande impacto porque os contratos profissionais de atletas no Brasil são estipulados geralmente para terminar ao fim de cada ano, junto com o início das férias coletivas. O ano esportivo não acaba em 2020 e não haverá férias. Os jogadores já tiveram o benefício em abril.
Agora, a covid-19 criou um imbróglio delicado dentro de vários clubes. A situação de maior repercussão foi a do goleiro Diego Alves, do Flamengo. O jogador assinou, em 2017, um contrato válido por três anos e meio. As negociações para se chegar a um novo acordo demoraram bastante, mas teve final feliz. Até mesmo colegas de Flamengo fizeram campanha para a situação ser resolvida. “Todos sabem da importância dele dentro do grupo. É um líder dentro e fora de campo. A permanência é com ele e a diretoria, mas a gente quer que ele fique. Precisam sentar e conversar para ver o que é melhor para os dois, mas é um ídolo, um cara muito experiente dentro de campo”, disse o atacante Bruno Henrique.
O Santos vive o mesmo problema com o zagueiro Luan Peres. O defensor foi emprestado pelo Brugge, da Bélgica, e só tem contrato com o clube até 31 de dezembro. O São Paulo vive essa pendência com o lateral espanhol Juanfran. O jogador negocia com a diretoria uma extensão do contrato até fevereiro. Já para Corinthians e Palmeiras, o problema é menor pois quem está de saída são atletas que não têm sido utilizados. Pelo lado alvinegro, Sidcley, Boselli e Renê Junior vão embora. No time alviverde, a despedida será do venezuelano Alejandro Guerra.
Segundo especialistas em direito desportivo consultados pelo Estadão, os clubes poderiam ter se antecipado a esse impasse de perder jogadores a dois meses do fim da temporada se tivessem assinado prorrogações contratuais durante o período de vigência da MP 984, que durou de junho a outubro deste ano. O texto permitiu a celebração de vínculos de no mínimo 30 dias de duração. No restante do tempo, vale no Brasil a Lei Pelé, que obriga uma validade mínima de 90 dias nos contratos profissionais.
“Durante a vigência da medida provisória, seria possível a celebração de um contrato futuro, pelo prazo de dois meses, para cumprimento do campeonato brasileiro, em razão de um ato imprevisível, no caso, a pandemia provocada pela covid-19”, explicou o advogado Mauricio Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados. “Celebrar um contrato por prazo inferior aos três meses somente seria possível se houvesse um acordo coletivo de trabalho, firmado com o Sindicato dos atletas, ou se houvesse previsão legal. Infelizmente, a MP 984 perdeu vigência em outubro”, explicou.
Para se adequar à legislação e não perder jogadores, os clubes podem se usar de alguns dispositivos. “O clube que precisar renovar com um atleta, mas que não desejar ter ele por um longo período, pode fazer o contrato pelo prazo mínimo (três meses), sem colocar uma multa elevada para o caso de rompimento antecipado. Se sair da competição, rescinde o contrato antecipadamente”, disse o advogado Higor Bellini.
Uma outra situação que pode dificultar as equipes é a própria vontade dos atletas de aproveitarem o fim do contrato para sair. “A melhor alternativa que possuem os clubes seria a prorrogação do contrato até o final do Campeonato Brasileiro. O problema é que para muitos jogadores isso não é interessante pois perdem a possibilidade de estarem livres durante a janela de transferências de janeiro.”, explicou o advogado especializado em direito desportivo Eduardo Carlezzo. É possível também que alguns jogadores e agentes façam exigências antes para poderem ficar nos clubes.
Planejamento
Um dos poucos clubes a não ter jogadores com contrato para terminar em dezembro é o Ceará. O diretor de futebol do time, Jorge Macedo, explicou que nos últimos meses renovou acordos com 15 jogadores que tinham vínculo válido até o último dia de 2020. O pacote de negociações teve início em agosto e incluiu até mesmo atletas que estão emprestados para outras equipes. Os prazos foram prorrogados até fevereiro.
“Para não causar mal estar no elenco por renovar acordo com um e não com o outro, fizemos uma renovação geral. Assim mostramos que todos estão na mesma batalha. Os jogadores entenderam a necessidade do clube”, disse. “Temos dois atletas emprestados do Grêmio (Lima e Léo Chu), com quem que fizemos essa renovação facilmente. Conseguimos dar essa tranquilidade a todos”, acrescentou o dirigente.
Jogadores com contrato para terminar
ATHLETICO-PR
Guilherme Bissoli
ATLETICO-GO
Édson Júnior
BAHIA
Anderson, Lucas Fonseca, Nino Paraíba, Mateus Claus, Juninho Capixaba, Zeca, João Pedro, Ronaldo, Elton, Elber
BOTAFOGO
Cícero, Guilherme Santos, Helerson, Lucas Campos, Luiz Otavio, Marcinho, Saulo
CORINTHIANS
Boselli, Sidcley, Renê Junior
C
ORITIBA
Alex Muralha, Rhodolfo, William Matheus, Patrick
FLAMENGO
Pedro Rocha, Pepê
FLUMINENSE
Dodi, Hudson, Gabriel Capixaba
FORTALEZA
Geilson, Marlon
GOIÁS
Sandro, Caju, Daniel Bessa, Henrique Almeida, Pintado, Quevedo, Lucão
GRÊMIO
Orejuela
INTER
D’Alessandro, Saravia, Musto
PALMEIRAS
Guerra
SANTOS
Luan Peres, Vladimir
SÃO PAULO
Juanfran
SPORT
Lucas Mugni
VASCO
Breno, Ramon, Fellipe Bastos, Marcelo Alves, Ygor Catatau, Benítez, Ribamar
Fonte: Estadão