Mês: junho 2020
Na última quinta-feira (18), o presidente Jair Bolsonaro assinou a Medida Provisória (MP) 984, que dá o direito de arena e transmissão de jogos apenas ao time mandante de partidas. Antes, as duas entidades esportivas participantes do evento eram detentoras do direito de arena. Mas, para especialistas, o tema não deveria ser tratado em uma medida provisória .
A MP traz mudanças na Lei Pelé (Lei 9.615/1998) e no Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei 10.671/2003). O texto prevê que 5% da receita proveniente dos direitos audiovisuais será distribuído igualmente aos atletas envolvidos no jogo. Além disso, em caso de eventos sem definição de mando de jogo, a transmissão dependerá da anuência dos dois clubes. A medida ainda permite contratos de trabalho por 30 dias, até o fim de 2020, e autoriza que empresas detentoras de direitos de transmissão patrocinem ou veiculem suas próprias marcas nos uniformes de clubes.
A medida impacta diretamente à Rede Globo, pois a emissora não chegou a fechar contrato com o Flamengo para a transmissão do Campeonato Carioca, que teve seu retorno marcado para esta quinta-feira (18). Agora, o clube poderá negociar, como mandante de suas partidas, com outras emissoras e canais de streaming.
Para o advogado especialista em direito desportivo Mauricio Correia da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, o tema em questão não deveria ser tratado em medida provisória. Além disso, para ele, a MP é uma afronta direta à Rede Globo, com quem Bolsonaro criou várias situações de embate desde o começo de sua candidatura.
“Esta questão do direito de arena e vedações impostas para quem transmite o espetáculo não deveria ser objeto de Medida Provisória. É para confrontar a Globo, me parece. Lembra a final de 2000, quando o Vasco colocou o SBT como patrocinador”, diz o advogado.
Carter Batista, especialista em direito desportivo, sócio do Osório Batista Advogados, também considera que essa é uma decisão importante, que não deveria ser definida através de Medida Provisória.
“Talvez não fosse uma medida para ser tomada via Medida Provisória. Essas questões que afetam a sociedade de forma ampla merecem um debate, merecem o envolvimento das partes. E, aparentemente, o presidente conversou apenas com o Flamengo. Será que agrada ao Flamengo?! Será que agrada aos outros clubes, aos menores?! São questões que a gente deixa em dúvida. A princípio, na minha visão, ela não é uma medida salutar”, aponta o advogado.
Carter acredita que ainda é cedo para falar sobre as consequências que, de fato, a MP pode acarretar, mas defende que a medida, se for aprovada, prejudica principalmente os clubes menores.
“Eu temo muito pelos clubes de menor potencial. Isso pode causar uma situação de recrudescimento, vamos chamar assim, desse abismo que já existe entre os clubes no Brasil. Nós temos 12 clubes grandes, alguns com a situação melhor, mas a grande maioria dos clubes têm situações financeiras muito delicadas e esse tipo de medida não é a mais adequada porque pode tornar o futebol brasileiro menos interessante, pode reduzir a competitividade à medida em que vai valorizar e dar vantagem para os clubes que já são ricos e grandes em detrimentos dos menores”, aponta.
Defesa Econômica
A relação de embate entre clubes e emissoras de televisão não é novidade no futebol, muito menos no mercado econômico, como destaca o advogado especialista em direito concorrencial Eric Hadmann, sócio do Gico, Hadmann e Dutra Advogados.
“Esse é mais um capítulo no longo relacionamento entre os clubes de futebol e as emissoras de TV. Desde 1997, com o caso apelidado de “Clube dos 13”, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) analisa o comportamento dos dois lados desse mercado. Esse caso terminou apenas em 2010”, explica.
Hadmann ainda relata que, em março de 2019, a Superintendência-Geral do CADE arquivou a investigação sobre possíveis condutas anticompetitivas nas negociações e contratos de direito de transmissão, sobretudo do Campeonato Brasileiro de 2019.
“E em maio de 2020, depois de Disney e Fox tentarem encontrar um comprador para a Fox Sports, por exigência do CADE, o conselho aprovou a operação com a absorção da Fox Sports pela Disney, com diversos compromissos comportamentais”, destaca.
A Medida Provisória já está valendo desde a sua publicação no Diário Oficial da União e tem até 45 dias para ser transformada definitivamente em lei, após apreciação do Congresso Nacional. Apesar disso, a MP seguirá valendo por 60 dias, que podem se estender pelo mesmo período. Caso não seja transformada em lei após o prazo, a medida perde sua validade.
Fonte: IG Esporte
MP 984/2020 é constitucional
No dia 18 de junho, foi publicada a Medida Provisória 984 de 2020, que alterou preceitos da Lei 9.615/98 (Lei Pelé). Uma das mudanças foi no regramento do direito que os clubes têm de autorizara transmissão por radiodifusão das partidas.
No texto anterior da Lei Pelé, essa prerrogativa era partilhada entre os clubes que participassem da partida. Na prática, o que ocorria era que eles deveriam negociar conjuntamente a exibição. Na regra inserida pela MP, o direito de autorizar pertence apenas ao mandante da partida.
Essa mudança é substancial e as opiniões que circulam nas redes caminham no sentido da inconstitucionalidade da MP. São dois os principais fundamentos utilizados. O primeiro: a matéria não tem relevância e urgência. O segundo: a Constituição garante a todos o direito de imagem (art. 5º, X) e a regra estaria
Sobre o primeiro argumento, o Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência pacífica no sentido de que somente em situações excepcionalíssimas, o judiciário pode se imiscuir nos critérios de relevância e urgência. A MP 984/2020 não se enquadra na excepcionalidade porque não consubstancia “exercício anômalo e arbitrário das funções estatais” (ADI 2.213 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 4-4-2002, P, DJ de 23-4-2004).
O segundo argumento atribui inconstitucionalidade à MP porque ao excluir o clube visitante do poder decisório, estaria impedindo o exercício do direito de imagem dos clubes e dos atletas. O argumento é atraente, mas não tem consistência.
É válido lembrar que o texto da MP não exclui a participação no pagamento do atleta do clube visitante. O texto é claríssimo: transfere ao clube mandante o poder de decidir sobre a transmissão, mas não diz que esse clube não deverá pagar ao atleta adversário. Nesse prisma, está intacto o direito de imagem do atleta.
Com relação ao direito de arena do clube visitante, na regra anterior antes da alteração imposta pela MP, já havia uma restrição que ocorria na prática. Ao determinar que pertencia a ambos o direito de autorizar ou proibir a transmissão das partidas, a Lei Pelé criou uma situação que tornava o exercício do direito por um clube dependente da vontade de outro. Apresentamos um exemplo para esclarecer. Imaginemos um campeonato de futebol disputado por 3 clubes, no qual o clube A e B negociam a transmissão por uma determinada rede de TV, mas o clube C se nega a aceitar as condições. Nesse campeonato de turno e returno teríamos as 6 disputas. Se o clube C se negar a autorizar a transmissão de suas partidas, a rede de TV só exibiria 2, o enfrentamento de A com B no turno e no returno. Todas as demais, que contam com a participação de C, não poderiam ser transmitidas. A regra anterior colocava ao arbítrio de um clube o poder sobre o direito de arena de outro. Essa situação não é hipotética. De fato, aconteceu no Campeonato Carioca de 2020, quando o Flamengo se recusou a assinar contrato de transmissão de suas partidas com a Rede Globo, tolhendo o direito de todos os outros clubes que o enfrentavam.
Agora imaginemos esse mesmo campeonato, na regra atual imposta pela MP. O clube C só teria o poder de decidir sobre duas partidas, quando fosse o mandante das partidas contra os clubes A e B. Como consequência, a rede de TV estaria autorizada a transmitir 4 partidas. Ganham os clubes, ganham os torcedores e ganha a rede de TV.
No campeonato Brasileiro de Futebol deste ano, estavam previstos 380 jogos, de turno e returno. Uma determinada rede TV assinou contrato com 8 clubes e outra com 12 clubes. Isso significa que, na regra antiga da Lei Pelé, 144 jogos não podem ser transmitidos, porque quando houver um enfrentamento de um clube que assinou com a rede X com outro da rede Y, a partida não pode ser transmitida por nenhuma das duas. Na regra da MP a realidade mudaria: todos seriam transmitidos ou por uma ou pela outra.
Milita a favor da regra atual posta na MP um argumento que decorre da lógica da organização dos campeonatos imposta pelas entidades de administração do desporto. O clube mandante se sujeita solidária e pessoalmente a uma série de obrigações relacionadas à viabilização dos eventos desportivos e à promoção da segurança das partidas, destacando-se policiamento, credenciamento, logística de toda sorte, obrigações fiscais e previdenciárias, cuidados com saúde de atletas, árbitros e torcedores entre outras inúmeras. Nada disso é cobrado do clube visitante.
Considerando que o direito de arena se circunscreve à prerrogativa de negociar a transmissão de imagens de espetáculos desportivos, é certo que a atribuição de sua titularidade ao clube mandante reflete contrapartida justa aos encargos a que exclusivamente se obriga diante da mera participação competitiva, não alijando o clube visitante e de todos os atletas profissionais participantes de seus direitos de imagem.
Não vislumbramos, por essas razões, inconstitucionalidade da MP no que toca ao critério de relevância e urgência e com relação ao direito de imagem de atletas e clubes. A nova regra, na prática, acaba beneficiando público, clubes e redes de transmissão das partidas.
*Mauricio Corrêa da Veiga e Luciano Andrade Pinheiro, sócios do Corrêa da Veiga Advogados
Fonte: Estadão