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A importância do STF em tempos de covid-19

Luísa Bahia Barretto Corrêa da Veiga e Matheus de Figueiredo Corrêa da Veiga*
A atuação da suprema corte brasileira sempre chamou a atenção pela capacidade de proferir um número elevado de julgamentos anuais, especialmente em comparação com outras cortes constitucionais no mundo – seus 11 ministros julgaram cerca de dezessete mil processos somente no ano de 2019 . A Suprema Corte dos EUA, por exemplo, composta por nove juízes, julga até cento e cinquenta processos anualmente . Na Alemanha, com uma composição de dezesseis julgadores, sua Corte Federal de Justiça julgou pouco mais de cinco mil novos processos em 2019.
Com a velocidade de contaminação pelo novo coronavírus (covid-19) aumentando diariamente, os sistemas estatais precisam se adaptar de maneira rápida para dar conta das demandas que surgem e que têm, na maioria, caráter emergencial. Dentre tantos setores que estão trabalhando para fazer isso acontecer, o Sistema Judiciário brasileiro vem ganhando destaque, especialmente em razão do trabalho feito pelo Supremo Tribunal Federal.

 No cenário atual, com o número de demandas judiciais relacionadas com a covid-19 subindo exponencialmente a cada dia, o STF ganha, mais uma vez, destaque além das fronteiras brasileiras. No julgamento histórico que tomou lugar no mês de abril de 2020, que constituiu a primeira sessão plenária de uma suprema corte efetuada integralmente de forma virtual, o ministro presidente Dias Toffolli declarou que o tribunal proferiu cerca de setecentas decisões nos mais de mil processos recebidos em vinte e um dias, desde o inicio da pandemia no Brasil, o que alegou se tratar de um recorde mundial.
Ao contrário do que se pode esperar sob condições de isolamento social, houve um aumento de produtividade do tribunal neste período, conforme declarado pelo ministro. Essa produtividade elevada somente é possível em razão da digitalização dos processos judiciais, que hoje compõe cerca de 95% do volume do tribunal . Com o uso extensivo do trabalho remoto, os servidores podem dar continuidade às atividades mesmo estando isolados em suas casas, contribuindo, assim, com a rápida resposta aos processos emergenciais que dão entrada na corte em razão da pandemia.
Esta resposta rápida e eficiente às demandas constitucionais decorrentes do estado de emergência em que se encontra o país é de suma importância para a manutenção da ordem. A determinação e o esclarecimento sobre limites de competência, escopo de atuação, questões trabalhistas, dentre tantas outras questões essenciais, tornam-se base de segurança para uma sociedade que se encontra insegura e amedrontada frente às assustadoras estatísticas relacionadas à covid-19.
No que diz respeito à repercussão dos julgados do STF nesse período, a pandemia serviu de faísca oportuna para julgamentos históricos. Os problemas e situações atípicas que surgiram em decorrência da doença foram e são temas centrais de disputas de competência direta ou indireta do tribunal. Em precedente notável, o ministro Alexandre de Moraes enalteceu a importância da “cooperação entre os Três Poderes, no âmbito de todos os entes federativos” na defesa do interesse público, e assegurou aos estados, Distrito Federal e municípios competência e autonomia para a implementação e manutenção de medidas restritivas durante a pandemia, afastando assim a interferência do governo federal na adoção de tais medidas.
Na esfera do Direito do Trabalho, coube à corte julgar a constitucionalidade da Medida Provisória n. 936 , garantindo aos empregadores e empregados o direito de efetuar contratos individuais de redução de jornada de trabalho e salário, assim como de pactuar a suspensão dos contratos sem a necessidade do aval dos sindicatos. Já no que diz respeito à MP n. 927, o plenário afastou a eficácia dos artigos 29 e 31 da lei em decisão que estabelece que a contaminação por covid-19 poderá caracterizar doença ocupacional sem a necessidade de comprovação do contágio no ambiente do trabalho, bem como determinou que os auditores fiscais do trabalho devem seguir cumprindo suas funções mesmo durante a pandemia.
Em meio às acaloradas discussões acerca do compartilhamento de informações cadastrais de usuários de linhas telefônicas com o IBGE, em decorrência da edição da MP n. 954, coube à Ministra Rosa Weber ponderar sobre o sutil equilíbrio entre a proteção do individuo e o controle estatal, onde fez prevalecer a intimidade e o sigilo da vida privada dos cidadãos sobre o interesse público, por entender que aqueles estavam sob grave risco de sofrer danos irreparáveis com a efetividade da medida.
Finalmente, em sua mais recente e controversa decisão, a Suprema Corte brasileira, decidiu abrir inquérito para investigar o presidente da república , Jair Bolsonaro, com base em declarações proferidas pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. Não distante dos julgamentos preferenciais de questões relacionadas com a covid-19, que perfazem a maior parte dos julgados recentes da corte, este caso também pode ser visto como decorrente da pandemia que assola o país. As tensões que deram início às acusações a serem examinadas pela Polícia Federal foram aumentadas pela dificuldade de alinhamento das políticas do chefe de Estado e do então ministro da Justiça durante a pandemia.
Essas tensões vêm colocando o STF em uma posição de atuação política forte, o que não é, em princípio, sua função. Porém, no cenário caótico em que se encontra o país, com inúmeros escândalos políticos acontecendo e com a insegurança da população em razão da falta de coerência na condução das respostas à pandemia, estas manifestações são respiro de força. Em mais um exemplo de decisão de forte caráter político, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, sucessor de Maurício Valeixo no comando da Polícia Federal.
Por exercer competências em esferas tão distintas – da interpretação e aplicação da Constituição Federal até o julgamento de crimes cometidos por pessoas que têm foro privilegiado –, o Supremo Tribunal Federal recebe anualmente um volume muito acima da média mundial de processos, o que dificulta o árduo trabalho de escoamento das demandas e redução de resíduo.
Não obstante as adversidades, a corte tem também a oportunidade de marcar a história do Brasil e de influenciar o destino da nação de forma singular e por isso ganha grande destaque no contexto mundial. Insta, portanto, trabalhar com dedicação e eficiência mesmo nos momentos de exceção para oferecer para a população uma atividade jurisdicional equitativa e justa que sirva de alicerce e esperança por dias melhores.
*Matheus de F. Corrêa da Veiga é formado pelo Centro Universitário IESB, pós-graduado em Direito Trabalho e Processo do Trabalho, IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público, coordenador do Livro em Homenagem ao Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, articulista do Livro em Homenagem ao Ministro João Oreste Dalazen, membro da comissão de Direito do trabalho da Seccional OAB/DF (2016/2018)/ (2019/2021). Em 2013 ingressou no Corrêa da Veiga Advogados como sócio
*Luísa B. B. Corrêa da Veiga, advogada, é formada pelo Centro Universitário IESB
Fonte: Estadão
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Notícias Direito Desportivo

Corinthians não paga R$ 110 milhões em FGTS e Imposto de Renda; especialistas veem crime

Por Ana Canhedo e Bruno Cassucci

Dos R$ 665 milhões que o Corinthians apresentou de dívidas em seu balanço de 2019, R$ 110 milhões se referem a Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) de funcionários e jogadores. Especialistas ouvidos pelo GloboEsporte.com apontam que isso caracteriza crime tributário e pode ocasionar problemas ao Timão.

O Corinthians fechou o ano passado com R$ 88,7 milhões a pagar em imposto de renda. O valor mais do que dobrou desde o fim de 2018, quando o débito era de R$ 36,9 milhões. O balanço não detalha se a dívida se refere a tributos descontados dos salários dos funcionários que não foram repassados à União.

Em relação ao FGTS, a dívida cresceu 333% no último ano, saltando de R$ 6,6 milhões para R$ 22 milhões.

A reportagem do GloboEsporte.com ouviu sete ex e atuais empregados do Corinthians, entre jogadores e colaboradores de áreas administrativas. Em condição de anonimato, todos afirmaram que os depósitos do FGTS não estão em dia. Três destes profissionais forneceram os extratos detalhados de suas contas do fundo de garantia, nos quais o último pagamento que consta foi realizado em fevereiro de 2019, referente aos meses de setembro e outubro de 2018. São 18 meses de atraso.

Segundo um membro da diretoria alvinegra que não quis se identificar, o atraso nos pagamentos de FGTS passou a ser praxe no Corinthians há mais de um ano. Quando decide demitir um funcionário, o clube quita as parcelas atrasadas para não ter problemas jurídicos.

O balanço financeiro de 2019, obtido pelo GloboEsporte.com, foi enviado no fim de abril a alguns conselheiros do Corinthians, mas só será publicado no site oficial do clube após ser votado pelo Conselho Deliberativo – o que ainda não tem data para ocorrer por conta da pandemia do novo coronavírus.

Procurado, o presidente alvinegro, Andrés Sanchez, não quis conceder entrevista. Na última semana, o Timão se pronunciou sobre as dívidas por meio de nota (confira abaixo).

O que dizem os especialistas

A reportagem do GloboEsporte.com entrevistou cinco advogados especialistas em assuntos tributários para entender o teor e a gravidade da dívida do Corinthians. Também foram consultados e analisados os balanços dos rivais São Paulo, Santos e Palmeiras para efeito de comparação.

Sobre o não pagamento de Imposto de Renda, o Corinthians pode ser acusado de crime de apropriação indébita, de acordo com os entrevistados. Previsto no artigo 168-A do Código Penal, ele consiste em deixar de repassar à Receita Federal as contribuições recolhidas.

– Pode haver uma série de consequências. Uma delas é apropriação indébita, respondendo criminalmente. Se vai ou não existir condenação, não dá para antecipar. Basta a Procuradoria da República tomar a iniciativa. E quem responde por isso é quem estava na administração do clube à época que o recolhimento do imposto não foi feito. Mas o risco maior é do clube. Receitas podem ser penhoradas, como já aconteceu com outros clubes – explicou o advogado Rafael Pandolfo, doutor em direito tributário.

O Corinthians não é o único grande clube do estado a apresentar em seu balanço dívidas relativas a IRRF. Porém, os rivais possuem um passivo muito menor.

O do São Paulo é de R$ 70 mil de IRRF, mas o clube ainda informa ter R$ 19,1 milhões de encargos trabalhistas a recolher, sem detalhar quais são eles; do Santos, R$ 18 milhões. O Palmeiras possui R$ 10,9 milhões de IRRF em seu balanço, valor provisionado a pagar em 2020, referente a novembro, dezembro, 13º e férias, e já quitados em janeiro e fevereiro, de acordo com o financeiro do clube.

– Ao que tudo indica, Palmeiras e São Paulo estão em uma situação que, se não estiver 100% regular, está muito próxima disso. Não é possível afirmar com 100% de precisão apenas pelos balanços. Já o Santos acendeu o sinal amarelo pelo valor apresentado. Ao que tudo indica, possui valores não recolhidos de IRRF.

– O Corinthians inequivocamente é quem tem o maior problema de todos. Está com saldo altíssimo, e esse saldo não diz respeito às obrigações prestes a vencer. Para você entender: as contas fecham em 31 de dezembro, e aí o clube tem que pagar o mês de dezembro ainda, talvez algo de novembro e o 13º salário. Muitas vezes, ele informa no balanço o imposto retido como obrigação tributária, mas não que isso seja algo devido há muito tempo. Possuir esse saldo de tributos não significa que o clube seja um devedor contumaz e que não vai quitar – completou Rafael.

Segundo a advogada Lyvia Amico, também especialista em assuntos tributários, o Corinthians pode sofrer sanções de cunho tributário, trabalhista e criminal. Em relação ao não pagamento de IRRF, ela explica que os dirigentes do clube podem ser penalizados.

– É prevista a detenção de seis meses a dois anos e multa. A legislação prevê a responsabilidade pela infração daqueles que com ela concorrem, ou seja, os diretores, administradores, gerentes ou empregados com responsabilidade apurada em processo regular, porque possuíam o dever de pagamento dos valores dentro da estrutura societária e não o fizeram.

Lyvia também comenta as possíveis consequências pelo atraso nos depósitos do FGTS:

– Existe uma vertente jurídica que entende que a criminalização por apropriação indébita neste caso também ocorre. Contudo, por ser o FGTS um direito do trabalhador e por não ser objeto de retenção, uma vez que o valor pago a esse título pelo empregador não é descontado do salário do empregado, entendemos não se enquadrar na tipificação de crime tributário, podendo eventualmente se enquadrar nos termos da apropriação indébita trazida pelo Código Penal se comprovado o dolo na conduta.

Já o advogado Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga, presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF (2012; 2013/2015 e 2016/2018), vê um cenário alarmante e lembra que a dívida de FGTS pode acarretar na rescisão de contrato de jogadores:

– Os valores consolidados das dívidas são assustadores, pois dobraram de 2018 para 2019. E com a pandemia provocada pelo Covid-19 e a paralisação das atividades desportivas, as perspectivas para 2020 podem ser catastróficas. Pela Lei Pelé, o atraso no pagamento de FGTS e INSS, por período igual ou superior a três meses, pode ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho do atleta – disse.

João Henrique Chiminazzo, advogado especialista em direito desportivo, também aponta o risco de perder jogadores na Justiça caso o pagamento de FGTS não esteja sendo feito corretamente. O Vasco, por exemplo, teve problemas dessa espécie com Thiago Galhardo e WagnerO Santos foi processado pelo técnico Jorge Sampaoli pelo mesmo motivo – a ação ainda corre na Justiça.

– Basicamente, quando a gente fala de ausência de recolhimento de fundo de garantia, não tem um impacto criminal em primeiro momento. Até porque não é retirado do trabalhador para que seja recolhido, é o valor a mais que o clube tem que recolher. Mas pode trazer impacto na questão trabalhista, com pedido de rescisão contratual – explicou Chiminazzo.

O advogado Luiz Roberto Castro, mestre em direito desportivo, pondera que o Corinthians não é o único clube a apresentar este tipo de dívida, mas vê risco de problemas para em um futuro próximo:

– O primeiro ponto é que não é o Corinthians que passa por esse tipo de problema. Outros clubes, a maioria, têm problemas semelhantes. Fato é que esse valor pode, sim, gerar apropriação indébita. Qualquer crime desta espécie pode ser revertido mediante pagamento ou parcelamento. O problema é que os clubes sempre alegam que estão sendo cobrados a mais ou que há algum tipo de cobrança indevida. Mas para fazer o parcelamento, é preciso que o clube assuma essa dívida. É possível que essa dívida seja executada ainda neste ano, entre setembro e outubro, até pela necessidade de arrecadação da Receita Federal. Mas também é possível que o governo federal crie algum tipo de plano para que seja pago de maneira parcelada. O grande problema é o Corinthians não ter um plano de pagamento de dívida a longo prazo.

O outro lado

O Corinthians emitiu uma nota oficial na última terça-feira na qual comenta os dados do balanço financeiro de 2019 e aponta motivos para o déficit de R$ 177 milhões no exercício e o aumento da dívida. O clube, porém, não mencionou os débitos referentes a imposto de renda e FGTS.

Para justificar os resultados negativos na última temporada, a diretoria financeira do Timão apontou queda de receitas e aumento de despesas, sobretudo com a compra de atletas. Diz um trecho da nota oficial:

“Em resumo, houve efetivamente um déficit um crescimento das obrigações, gerados basicamente pelos investimentos na equipe de futebol profissional que, infelizmente, não produziram (ainda) retorno esportivo – e, por consequência, financeiro. No entanto, como demonstrado, o déficit pode ser revertido com negociações de atletas e as obrigações, na mesma medida, são administráveis considerando a capacidade do Corinthians de geração de receitas”.